Não sou utilizador do Facebook. Porém, há alguns dias, alguém das minhas relações teve a amabilidade de me mostrar um texto datado de 26 de Fevereiro passado, em que se refere o deplorável estado em que se encontra, em Faro, o Teatro Lethes, o qual, segundo o autor, parece que esteve encerrado de 1951 até 1998, altura em que iniciou a sua produção teatral a companhia profissional residente “ACTA”, fundada pelo Professor José Luís Louro e “outros interessados fazedores de teatro” em 1995.
Mas houve, diria, muitas centenas de actividades amadoras – o Lethes sempre foi a grande sala de amadores de Faro até 1951. O estado do edifício é, de facto, deplorável. Tão deplorável como o buraco negro existente na memória do autor. O Teatro Lethes é, de facto, propriedade da Cruz vermelha Portuguesa.
Refere o mesmo que a Cruz Vermelha nunca ou pouca coisa ter feito em benefício do edifício, “apenas algumas recuperações de pouca monta, que pouco o valorizaram”.
Em 1968 / 1969, se me não falha a memória, sofreu obras de restauro ordenadas pela Delegação de Faro da Cruz Vermelha Portuguesa.
Essas obras incluíram telhado, pintura das fachadas, restauro das cadeiras da plateia (que eram de palhinha), aquisição de cadeiras de diferentes medidas para as frisas e camarotes, renovação de toda a instalação eléctrica, com um quadro novo na entrada, outro nos camarins e outro na cabine do palco, pavimento do palco todo novo e urdimento (conjunto de roldanas, barras e cordame situados junto ao tecto do palco+ – também denominado teia) todo novo, como se vê obras de pouca monta. E reabriu ao público em 1972.
Foi convidado a ocupar instalações no Teatro Lethes, o Grupo de Teatro do Círculo Cultural do Algarve – grupo amador com créditos já bem firmados na cidade – grupo que mudou então a sua designação para Grupo de Teatro Lethes.
De 1972 a 1977, entre muitas outras obras, levou à cena “Albergue Nocturno” de Gorki, “O Principezinho”, de Saint-Exupéry; “O Percevejo”, de Maiakowski; “Enterrai os Mortos”, de Irwin SHaw.
Em 1977 estabeleceu-se em Faro a Delegação Regional da Cultura, representada até 1985 pelo professor Tomás Ribas.
Também por essa época, ou talvez um pouco antes, veio ocupar as instalações no Lethes o Conservatório Regional do Algarve, à época dirigido pela extraordinária pianista Senhora D. Maria Campina e pelas Senhoras D. Isabel Cassiano e D. Célia Magalhães (três louletanas contemporâneas e amigas), com as suas classes de Música (vários instrumentos como piano, violino, guitarra, etc) e de Ballet, que apresentavam os trabalhos finais de cada ano no palco.
E passou a haver também sessões semanais do Cineclube de Faro, espectáculos do Coral Ossónoba e do Grupo Folclórico de Faro, até sessões de emagrecimento lá aconteciam (“Weight Control”).
Tal ocupação do espaço, veio a prejudicar a actividade do Grupo de Teatro, porque era cada vez mais difícil ter o palco livre para poder ensaiar.
Apesar das dificuldades, o Grupo de Teatro Lethes apresentou, entre vários outros, “Deseja-se Mulher”, “O Público em Cena” e “Antes de Começar”, de Almada Negreiros; “A Promessa”, de Bernardo Santareno”; “Um Jeep em 2ª Mão”, de Fernando Dacosta; e “Os Velhos”, de D. João da Câmara (último espectáculo dirigido por Emílio Campos Coroa).
Em 1986 a Delegada do Ministério da Cultura deu ordem de despejo ao Grupo de Teatro Lethes – e digo ordem de despejo, porque não foi cedido ou indicado qualquer outro local para continuar a sua actividade; a partir daí, o Grupo de Teatro cortou relações com a Delegada.
Convenientemente, só cerca de quatro meses depois foi publicado em Diário da república o Estatuto de Colectividade de Utilidade Pública, assinado pelo professor Cavaco Silva, que determina a Sede do Grupo de Teatro Lethes na R. de Portugal nº 50 (endereço do Teatro Lethes).
De 1992 a 1997 passou a ser Delegado do Ministério da Cultura o Dr. Manuel Bento Serra, o que levou ao reatar das relações institucionais.
Nesse período, o Grupo de Teatro Lethes apresentou, só a título de exemplo, “Retrato de Uma Família Portuguesa”, de Miguel Rovisco; “Povoação, Vende-se”, de Andres Lizarraga; “Felizmente há Luar”, de Sttau Monteiro; “A Visinha do Lado” e “A Maluquinha de Arroios”, de André Brun; “Os Infiéis Defuntos”, de José Vilhena.
E até foi sugerido, pelo Dr. Bento Serra, que o Grupo assumisse estatuto de companhia profissional – o que quer dizer que já algo andava no ar!
De 1998 a 2003 foi Delegado do Ministério da Cultura o Dr. João Ventura, passando a haver uma extrema ocupação da sala, não sendo permitido manter o mesmo espectáculo em cena por duas semanas consecutivas.
Mesmo assim, o Grupo de Teatro Lethes apresentou, “O Render dos Heróis”, de José Cardoso Pires; e integrou todas as “Semanas de Artes de Palco”, organizadas durante seis anos, pela Junta de Freguesia da Sé.
Por notória desventura do Dr. João Ventura, o Teatro Lethes teve que encerrar as portas para obras, já que a cúpula que cobre o palco ameaçava ruir.
E, durante as obras, já por lá andava a “ACTA” Mas, como se pode constatar, de 1951 até 1998, segundo o autor do texto “o Teatro Lethes esteve ao abandono”.
É de facto uma lástima o estado do Teatro Lethes e uma lástima a despudorada, indecente, ignóbil tentativa de lavagem ao cérebro e de apagar das memórias, que pretendem fazer aos cidadãos de Faro, felizmente ainda há muitos que se lembrarão do que escrevo.
E é por demais evidente que o texto nada tem a ver com o corte de subsídio à ACTA decidida pelo Ministério da Cultura.
Foi após as últimas obras no edifício, que incluíram restauro de cadeiras, renovação do palco e da “teia”, que o Ministério da Cultura transferiu o aluguer de longa duração que mantinha com a Cruz Vermelha Portuguesa, para a Câmara Municipal de Faro.
Perguntarão os leitores: mas e então essa mer…itória associação que dava pelo nome de Grupo de Teatro Lethes, posto na rua do Lethes em 1986, sem local para trabalhar e apresentar os seus trabalhos, naturalmente já morreu?
Não, não morreu. Pela razão essencial que não tem onde cair morto.
Continua a aguardar, pacientemente, que algum dos sucessivos autarcas que têm passado por Faro, e que nas acções de “corta-fitas” (tão pródigas em votos) ou numa daquelas “estopadas” de homenagens públicas em que têm que estar presentes, nos dão palmadinhas nas costas e com um sorriso nos dizem: ah, temos que resolver isso…! E já lá vão 37 anos, senhores. Por isso, nem vamos esmolar “um subsidiozinho” para “a gente poder fazer qualquer coisa”.
Ironicamente, a Assembleia Municipal de Faro convidou o Grupo para apresentar um espectáculo nas comemorações do 25 de Abril de 2022. E o trabalho para 2023 está em preparação! Sem sala e sem espaço próprios!
E pior que tudo: Há provas no lixo que tenho a mania de coleccionar.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia