Admito que desde muito novo que nutro um especial interesse pela toponímia, palavra de origem grega composta pelos vocábulos «tópos», ‘lugar’ + «-ónyma», por «ónoma», ‘nome’, + «-ia». Em resumo facilitado: a toponímia é o estudo do nome dos lugares.
Nascer, residir ou visitar um lugar, uma terra ou uma localidade provoca, por vezes, e em algumas pessoas, uma imensa curiosidade de descobrir por que razão concreta a terra por onde passamos tem aquele determinado nome.
Por vezes, quando navegamos nestes estudos da toponímia, mesmo que por mero lazer, deparamo-nos com descobertas fascinantes que nos empurram para viagens no tempo dignas de um livro de Júlio Verne.
Mas o mais cativante surge quando descobrimos que determinado lugar já teve outro nome, distinto da denominação que usamos nos dias de hoje. Navegamos num caminho para o passado que nos leva a ligações históricas e políticas, com outros factos que nos alertam, de forma clara, sobre a dinâmica da história dos diversos lugares do mundo.
Recentemente, visitei um lugar em Timor-Leste que atualmente se chama de Tutuala. Vila no município de Laútem, no extremo nordeste da ilha de Timor.
O nome desta vila, onde a origem deste texto começou, é composto por dois vocábulos: tutu que significa coluna e hala que significa único. Ou seja, metaforicamente falando, a Vila de Tutuala é o lugar único, a ponta do território de Timor.
E realmente Tutuala é dos lugares mais bonitos que tive a oportunidade de visitar nas minhas viagens por diferentes países do mundo. Com uma área florestal lindíssima, com grutas que têm pinturas rupestres que foram descobertas e datadas à Idade do Gelo, com aproximadamente 65 mil anos desde que foram desenhadas, numa época das primeiras grandes migrações de povos da Ásia para o atual territorio da Austrália, ou seja, os antecedentes dos primeiros aborigenes australianos.
Mas é a paisagem lindíssima com vista para o imenso oceano, de vários tons de azul, bem do alto de um cabo, de onde se localiza a atual Pousada de Tutuala, uma antiga fortaleza do período colonial português, que durante um período da história trouxe o Algarve até ao continente asiático.
Desde o início dos anos 30 até meados de 1945 que esta paisagem inspirou as autoridades portuguesas a batizar Tutuala como Vila de Nova Sagres, inspirando-se nas belezas produzidas pelo Cabo de São Vicente, na freguesia de Sagres, no concelho algarvio de Vila do Bispo, servindo como referência para o novo nome da vila no extremo oriente de Timor-Leste.
Desde 1976 que o nome de Nova Sagres deixou de ser utilizado para denominar a vila de Tutuala, contudo, aquele curto período ligou, toponimicamente falando, o Algarve a Timor-Leste, fazendo com que ainda alguns dos habitantes locais se recordem do outro nome que outrora chamavam à sua terra de Tutuala e que os liga historicamente a Portugal.
Mas, além de Sagres, existe um concelho algarvio que também inspirou o batismo de outra terra em Timor-Leste durante o período acima referido.
Na vila de Fatululik, bem lá cima, nas montanhas, no município de Covalima, no sul de Timor-Leste, perto da fronteira com a Indonésia, muitos dos moradores mais velhos ainda se recordam dos tempos em que a sua vila se chamou de Nova Monchique.
Fatululik significa rochedo sagrado (fatu-rocha e lulik-sagrado) e na minha opinião é das zonas montanhosas mais verdes e mais belas que visitei, onde reina a paz e o silêncio.
Esta tentativa das autoridades portuguesas de alterar o nome de muitas das vilas do território timorense não foi um plano bem aceite pelas populações locais, que rejeitaram absolutamente a ideia e defenderam as denominações originais das suas terras, levando a que após o final da II Guerra Mundial e o fim da invasão japonesa no território, toda a lista de novos nomes, de inspiração de vilas e cidades portuguesas, fosse eliminada.
Contudo, fica na História, enquanto facto das ligações entre dois países que hoje são irmãos, unidos pelas ligações linguísticas, culturais e religiosas.
Portugal no extremo ocidente da Europa.
Timor-Leste no Oriente do Mundo, numa terra onde o Sol, logo em Nascendo, vê Primeiro. E garanto-vos, o nascer do sol em Tutuala é o mais sublime que testemunhei.
*Turbulências II escrito por João Fernandes Moreira, advogado
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