Em 2022, com a rede VAMUS, o Algarve tornou-se a primeira região do país a disponibilizar informação dos serviços de transporte público em tempo real na plataforma Google Maps. Isto significa que qualquer pessoa pode ter acesso à localização exata do autocarro que pretende apanhar, tal como acontece noutras plataformas populares como a Uber.
Aumentar a utilização de transporte público deve ser um desígnio de qualquer sociedade, uma vez que permite não apenas uma maior sustentabilidade ambiental (com menos emissões de CO2), como também maior justiça social no acesso a oportunidades de educação e trabalho e mesmo maior eficiência económica (considerando os custos de qualquer economia com o tempo perdido em congestionamentos). Contudo, Portugal continua a destacar-se pela negativa neste aspeto, com apenas 15% das viagens habituais realizadas utilizando este modo.
Se eliminarmos a barreira da espera e da incerteza do transporte público, estaremos certamente, todos nós, mais perto de utilizar o transporte público
A razão normalmente apresentada em Portugal para não utilizar mais transporte público é lógica: não é conveniente, não é fiável e não é rápido. Na verdade, a quase totalidade das pessoas que utiliza transporte público em Portugal fá-lo porque não tem alternativa – ou seja, não tem um carro à porta de casa que possa utilizar. Esta realidade é bem diferente dos Países Baixos, por exemplo, onde um inquérito a utilizadores de transporte público mostrava que 42.8% dessas pessoas tinha um carro disponível para a viagem e decidiu não o usar (Givoni & Rietveld, 2007, “The access journey to the railway station and its role in passengers”).
A questão que normalmente se coloca nestas situações é se existirá algum modo simples e direto de promover as viagens em transporte público, de preferência que não exija investimentos avultados nem uma demora na sua implementação. E a resposta pode ser positiva.
O mesmo estudo referido, que procurava analisar as principais formas de atrair novos viajantes para o transporte público (p.e. a frequência de serviço e o conforto dentro dos autocarros), realçava a importância de um fator que pode muitas vezes passar despercebido: a qualidade do tempo de espera nas estações. Este tempo de espera é diferente daquele dentro do autocarro, uma vez que, como toda a gente que utiliza transportes públicos deve já ter sentido, o tempo fora do veículo custa muito mais a passar do que o tempo dentro.
Há razões óbvias para isso acontecer: pelo conforto de estar num espaço climatizado, pela maior probabilidade de ter um lugar sentado, por não ter de estar atendo à passagem do autocarro, ou mesmo pela sensação de movimento e utilidade do tempo. Mas existe uma razão principal que ultrapassa as referidas: a incerteza, ou, por outras palavras, a falta de confiança de que o serviço passará a tempo. A incerteza de que o autocarro se atrase ou mesmo que não venha, a incerteza de chegar a horas ao local de trabalho ou ao encontro marcado.
Estas incertezas tornam, muitas vezes, a espera do autocarro insuportável e elas são tão maiores quanto menos habituada a pessoa esteja a utilizar transporte público. Outro estudo, este no Porto, mostra que as pessoas estão dispostas a trocar características da rede de transporte, como por exemplo um serviço direto, por outros aspetos como a confiança no serviço (Silva, 2003, “Interchange in Urban Public Transport – A necessary or Misjudged Problem”).
A sensação de incerteza também é maior em horários pouco frequentes. Ao apanhar um autocarro durante a noite, ou numa paragem mais recôndita e isolada, a incerteza de atrasos ou ausências do autocarro são bem mais gravosas do que durante o dia ou numa paragem movimentada. Saber a localização precisa do autocarro permite-lhe antecipar ou atrasar a sua saída de casa, trabalho ou escola, tornando o seu tempo mais produtivo, agradável e mesmo seguro.
Imagine-se a querer apanhar o autocarro e abrir a aplicação Google Maps no telemóvel (aquela que já utiliza com frequência para consultar percursos), vendo se o autocarro está dentro do horário previsto. A aplicação não só o informa se existem atrasos com base na localização exata do veículo, mas também lhe mostra um ícone, no mapa, com essa mesma localização, para seu maior descanso. Um atraso de 5 minutos já lhe permite, talvez, uma ida à casa de banho ou um café rápido.
Ao implementar a informação em tempo real dos seus serviços na plataforma Google Maps, a região do Algarve replica o que já tinha sido feito em 2021 na rede A Onda, em Lagos, e trilha novos caminhos no país, tirando proveito da aplicação digital mais comum e transversal a todas as pessoas. A escolha desta plataforma deveu-se também à facilidade que os muitos turistas da região têm em utilizá-la, replicando uma funcionalidade da app que muitos já encontram na sua terra-natal.
A informação em tempo real dos serviços de autocarro é uma realidade em vários países, com ganhos claros para a eficiência e adesão ao serviço. Em Portugal, essa realidade tem-se concretizado em aplicações próprias de algumas operadoras, ou em postaletes eletrónicos nas paragens. Contudo, estas soluções apresentam limitações. A primeira solução requer a utilização de uma aplicação específica para o efeito, o que faz com que exista uma barreira para o utilizador não-frequente. A colocação de postaletes digitais, por seu lado, ainda que contribua para uma gestão de expectativa de quem se encontra na paragem, não permite a quem ainda está em casa planear a viagem.
Ao reduzir a incerteza do serviço e aumentar a fiabilidade do serviço, a utilização de autocarro perde um dos maiores entraves à sua utilização. Se souber a localização exata do autocarro que pretende apanhar, ao invés de confiar apenas na informação disponível na paragem, não estaria mais disposto a utilizá-lo?
Este mecanismo permite também uma atualização mais fiável dos serviços. A atualização da informação, como por exemplo a alteração de um horário, acontece automaticamente no Google Maps, no website VAMUS, na aplicação de telemóvel VAMUS, assim como nos ecrãs dos Terminais Rodoviários. Isto permite uma mais eficiente gestão do serviço para o operador, assim como uma maior uniformização de todo o serviço para o utilizador, encontrando a mesma designação para as paragens e linhas em todos os suportes, por exemplo.
A promoção do transporte público deve passar por uma facilitação das viagens para quem não é seu utilizador frequente, não exigindo aplicações próprias ou um conhecimento aprofundado da rede e tornando-a uma solução conveniente. O Algarve já deu o primeiro passo neste sentido, contribuindo para um futuro da mobilidade mais sustentável. Se eliminarmos a barreira da espera e da incerteza do transporte público, estaremos certamente, todos nós, mais perto de utilizar o transporte público.
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