Depois de História da Violência, narrativa autobiográfica em que Édouard Louis conta a violação de que foi vítima, chega-nos agora, novamente pela Elsinore, Quem Matou o Meu Pai: uma breve narrativa sobre a complexa relação do autor/narrador com o pai, como uma carta em que pretende acertar contas com a memória deste, chegando a conclusões conforme escreve, falando sempre dele no passado, pois já não o conhece…
E ainda que esta autoficção contenha aspectos que surgiam no livro anterior – onde o autor afirma como os estudos superiores foram consequência da sua fuga, quando compreende que esse seria o único caminho que lhe permitiria afastar-se socialmente do seu passado familiar –, a relação intertextual que mais ressalta é com Regresso a Reims, de Didier Eribon (Dom Quixote), um ensaio que entrelaça escrita autobiográfica e reflexão sociológica.
Com Édouard Louis o reencontro com o pai, e o seu próprio eu-criança, acontece mais a tempo, apesar de o pai estar já muito debilitado: «Já não podes conduzir, já não te é permitido beber álcool, já não consegues tomar banho ou ir trabalhar sem correres um enorme risco. Tens pouco mais de 50 anos. Pertences àquela categoria de seres humanos a quem a política reserva uma morte precoce.» (p. 12)
O título forte do livro releva da denúncia social em que o narrador incorre, explanando como uma série de políticas (e políticos) literalmente curvaram as costas do pai: «Quando te levantaste para ir a casa de banho e voltaste, vi-o com os meus próprios olhos, os dez metros que percorreste deixaram‑te ofegante, foi preciso que te sentasses e recuperasses o fôlego. Pediste desculpa. É uma coisa nova, pedires desculpa, vou ter de me habituar.» (p. 10)
A história de Édouard é difícil, íntima e dolorosa, tal como no livro anterior. Fala-nos agora, porém, de outra violência, essencialmente verbal – a que o pai exerceu sobre ele, para o tentar tornar mais masculino. Édouard contempla, contudo, como o seu pai, apesar de ele próprio ter tido um pai violento, tentou quebrar o elo, evitando tocar ou bater no filho: «A violência não gera só violência. Repeti esta frase durante muito tempo, enganei‑me ao pensar que a violência é a causa da violência. A violência tinha‑nos salvado da violência» (p. 19)
A sensação que fica, e a que o próprio narrador parece eximir-se, é de que o seu pai era tão sensível como ele, e os gostos do filho são, muito curiosamente, como que uma herança dos gostos que o pai já manifestava (dançar, cantar) mas que com o tempo aprendeu a reprimir, sendo o pai agora vítima da sua própria violência: «Eras vítima da violência que exercias, tanto como da que sofrias.» (p. 58)