Para compreender a existência colectiva e outros aspectos da contemporaneidade, há que sair do universo dogmático, questionar os “mare clausum” políticos e académicos.
Ao longo de anos lemos textos que pouco interrogam e muito afirmam, as TVs e jornais estão cheios de estados de alma ideológicos e omissões de realidades construtivas, exercícios de oratória ou de escrita que não explicam causas, mas aumentam efeitos e complexos.
Se hoje existem áreas prioritárias na educação em Portugal são o conhecimento do território, a língua e a cultura. Valorizar recursos nacionais, nomeadamente humanos e culturais, não os alienar, torna o País menos vulnerável e confiante.
Neste âmbito, do ponto de vista humano, analisar os resultados definitivos dos Censo 2021, um rigoroso TAC político e social, é exercício obrigatório.
É insuficiente explicar a longevidade do País pela existência de territórios com clima “ameno”, recursos que permitiram o desenvolvimento de capacidades produtivas, mercantis e de autodefesa, uma língua comum que desenvolveu a comunicação entre os habitantes e sentimentos de pertença, crenças e comportamentos que estabeleceram padrões de cultura.
Contudo, o ser colectivo de que fazemos parte, passou por transformações físicas, geoculturais, demográficas, económicas e políticas, transições por vezes revolucionárias para regimes com fundamentos ideológicos antagónicos, mudanças onde cultura como conjunto de valores espirituais ou imateriais tiveram papel determinante.
Quando Fernand Braudel formulou o conceito de “geo-história” introduzindo nele dimensões ambientais e culturais, suscitou o encontro com diversos tempos histórico-sociais, os eventos ou acontecimentos breves, a conjuntura dos mesmos e a “longa duração”, esta constituída pelos elementos que permanecem na vida colectiva, aparentemente imutáveis, valores e comportamentos que viajam, regressam, transportam e alteram, o caso português é paradigmático.
Ao reflectirmos Portugal vamos encontrar esses mesmos tempos, a partir das ciências sociais, em particular da geografia humana aplicada, desenvolvidas por Orlando Ribeiro e outros cientistas sociais, alguns deles contaminados pelo “determinismo geográfico”, o discurso da “inevitabilidade periférica” ainda faz escola.
Com escopos multidisciplinares verificamos o permanente desejo ou necessidade do Reino em se expandir, de forma mais evidente no século XV com as “descobertas”, na perspectiva eurocêntrica, os povoamentos dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, a tomada de Ceuta e a ocupação de praças do litoral marroquino e logo no início do século XVI a chegada de armadas portuguesas ao Brasil, à Índia e a outras regiões asiáticas, China, Japão, Ceilão, Molucas,… Contudo sabemos antecedentes da expansão terrestre, realizada pelas ordens militares, cruzados e milícias do cristianismo feudal, também que a tentativa expansão marítima ocorreu logo no primeiro reinado de Afonso Henriques, com as reorganizações subsequentes das armadas portuguesas ainda na primeira dinastia. Não foram dois portugueses residentes em Avinhão, no início do século XIV, convidar em nome do rei D. Dinis o almirante genovês Pessagno para vir para Lisboa organizar a esquadra portuguesa?
Pensadores, de diversas origens disciplinares, sobretudo da filosofia ligada à História, analisaram Portugal tentando estabelecer generalizações com traços psicanalisados da identidade colectiva, ensaios especulativos que influenciaram a construção das autoimagens, com óbvios exageros “sebastiânicos”, conformistas e até pessimistas.
O desmentido do penitente e preconceituoso discurso auto-flagelatório é a permanência de Portugal na “longa duração”, a diversidade e riqueza cultural que encontramos por todo o lado, que há muito pede uma política cultural fundamentada e estruturada para o “tempo longo” que aproxime as actuais gerações da História e do País real.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico