AO SERVIÇO DA LITERATURA ALGARVIA
A história é bonita de contar, um-dois-três, e digna de apreciar. Tudo começou pela morte do malogrado artista de Benafim, Victor Borges de seu nome, um arquitecto da serra formado nas Américas, pintor, escultor, escritor, um apaixonado pela História da Região que ainda não teve o reconhecimento que é devido à sua obra e ao seu legado. Corria 2012, a crise da Troika varria o País.
O seu livro “Apokalypsies”, de manuscritos e desenhos sobre a origem do cristianismo não tinha editora interessada na sua publicação. Sérgio Leote e Nuno Campos Inácio, filhos do Algarve também eles interessados em publicar obras próprias, juntaram vontades com outro algarvio, Fernando Lobo, ao tempo um designer experimentado na Holanda, e nasceu a Arandis Editora. Finalmente, uma porta aberta para autores algarvios ou temáticas relacionadas com o Algarve. Um exclusivo que não tem nada de exclusão, apenas um factor de discriminação positiva, um só que seja valha-nos deus, em prol da literatura com selo regional, dos valores excluídos do roteiro das grandes casas editorias, geralmente sediadas noutras capitais deste país tão desequilibrado culturalmente, como o é em todas as vertentes da vida.
A Arandis Editora prossegue (…) fiel aos seus princípios fundadores. (…) Quem acorda a delegação da Secretaria de Estado da Cultura? Nem uma autarquia sequer? Está tudo a dormir ou quê?…
Mal soaram nas trombetas notícias do nascimento da Arandis, choveram dezenas de trabalhos literários a pedir publicação. Apesar do tempo recessivo que perdurou, a que se somou o eclipse pandémico, o resultado destes onze anos de actividade é espantoso: 262 títulos publicados, mais de uma centena de autores, num total de 300 edições, menos de 10% delas com patrocínio de orçamentos públicos, facto digno de nota nos tempos de pedincha que correm.
A parceria com a Gráfica Comercial (perdoe-se a publicidade, pronto, já está!…), transformou desemprego em criação de postos de trabalho. Pelo caminho ganharam-se muitas dezenas de apresentações, feiras do livro, eventos de escritores algarvios. No currículo vêem-se poetas, romancistas, historiadores. Nomes como Adalberto Alves, Manuel Neto dos Santos, António Horta Correia, Fernando Reis Luís, Mário Zambujal, Arménio Aleluia Martins, Tito Olívio, Teodomiro Neto, João Vasco Reis, António Feu, e tantos, tantos outros que certamente perdoarão a omissão. Em prefácios e posfácios, não é raro encontrarem-se nomes conhecidos como Adriano Moreira, Ramalho Eanes ou Manuel Alegre, o que é atestado de qualidade.
Onze anos depois, a Arandis Editora prossegue o seu caminho, igual a si própria, fiel aos seus princípios fundadores. Uma entidade privada que faz um serviço público. Sem prejuízo e sem lucro. Uma actividade não lucrativa, característica que não consta do seu pacto social. Com tanta medalha, tacinha, troféu e plaqueta que se atribui e distribui ao longo do ano por tudo e por nada, é de estranhar que ninguém se tenha lembrado ainda de reconhecer o mérito cultural, empresarial, o que se quiser, a esta entidade.
Quem acorda a delegação da Secretaria de Estado da Cultura? Nem uma autarquia sequer? Está tudo a dormir ou quê?…
FÉRIAS, DOCES FÉRIAS
Reza a lenda, diz a História, manda a tradição, que isto das férias já vem do tempo dos romanos, e tem muito a ver com religião. Excessivo como era da praxe, aquele povo fundador celebrava mais de uma centena de feriados religiosos, considerados dias de feriae, ou seja, férias, dedicados a banquetes e celebrações aos deuses que, como é sabido, eram muitos e diversificados na época.
Nos ferendis epulis celebrava-se o princípio e o fim das colheitas. Em contraposição, os dias de trabalho eram, suprema das ironias, considerados dias vacantes, ou seja, vazios. Com o advento do cristianismo, a coisa moderou-se substancialmente em função do deus único e oficial, reservando-se um dia da semana, o domingo, para reflexão, preces e descanso.
Os muçulmanos escolheram a sexta-feira, os judeus o sabá. Com o andar dos tempos, o fervor religioso passou a prestigiar o descanso e o lazer para a saúde física e mental do trabalhador. Não por acaso, no Génesis, a escritura mais antiga que se conhece, diz-se que Deus criou o mundo em seis dias e descansou ao sétimo. Ou seja, é reconhecida a necessidade de se descansar após um certo período de trabalho, no fundo, a verdadeira finalidade das férias: reposição de energias. Com o andar dos tempos, veio a ideia do fim de semana, dois dias inteiros e seguidos dedicados ao ócio. Seguiram-se alargamentos sucessivos do período de férias e passaram a ser remuneradas. Também temos saudades das chamadas férias grandes de ausência escolar.
Claro que existem disparidades gritantes. Há quem nunca tenha férias, e há quem pareça estar sempre em férias, como as nobrezas europeias e os vipes das revistas cor-de-rosa. O que não é aceitável é que, em plena época alta do turismo, no meio do Verão, quem está de férias se veja impedido de ir a banhos por águas impróprias em Vale do Lobo, Quarteira ou Olhos de Água, seja qual for a razão: ou há factos comprovados, com responsáveis identificados e responsabilizados, ou há notícias alarmantes sem sustentação, o que não é menos grave.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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