Migrações marcaram a história humana, para territórios férteis e de caça ou para refúgio de cataclismos naturais, por fomes e epidemias, fuga a invasões e ocupações de grupos rivais. A história foi e é usada de forma pouco científica, como instrumento ideológico.
No século XIX em Portugal procurou-se fundamento científico para a existência da “raça portuguesa”, a investigação de pioneiros da arqueologia e antropologia centrou-se nas comunidades da pré-história, nos Lusitanos que habitaram castros e resistiram aos invasores romanos. Criou-se uma antropogeografia e um biologismo focados na “raça”, foram analisados materiais osteológicos e a literatura oral com intenções probatórias do fundamento étnico, que a genética populacional actual cabalmente desmente.
O “eurocentrismo” continua a iluminar a margem norte do Mediterrâneo, nas zonas de penumbra ficaram o Oriente Médio, Norte de Africa, excepções para a Antiguidade Mesopotâmica, Fenícia e Cartago, Pérsia, o Egipto dos faraós e pouco mais.
A desagregação do Império Romano com ocupação do sul pelos bárbaros germânicos; ostrogodos, vândalos, francos, lombardos, visigodos, anglo-saxões, conduziu à barbarização do cristianismo, pacifista e igualitarista, perseguido nos três primeiros séculos após a morte de Jesus, a seguir alterado pela cultura germânica cristianizada.
“As cruzadas vistas pelos árabes” do libanês Amin Maalouf, descendente de católicos maronitas, é um exemplo de obra literária que deu voz ao “Outro”, descreve os cruzados, os “franj” ou francos, como cruéis, saqueadores e ignorantes.
Falsafa significa filosofia em árabe, transmitida pelos gregos, obras traduzidas em Bagdad, importante centro cultural com forte influência persa e de pensadores do Al Andalus.
Para Ibn Khaldun (1336-1406), uma das mais importantes figuras da cultura medieval, a história é para ser “vista de longe fora das arcas dos rebanhos”. Ao contrário de Nicolau Maquiavel, afastou-se do poder para melhor observar, estudar e descrever-lhe os vícios…
A história da Antiguidade “Ocidental” construiu-se destacando o período clássico, greco-romano, a que se somou a visão de “renascimento europeu” que pouco teria a ver com valores ditos “orientais”, nomeadamente do Al Andalus, que o influenciou com conhecimentos na medicina, filosofia, poesia, agronomia, arquitectura…
No Egipto permaneceram comunidades cristãs coptas, hoje cerca de 10 milhões, no Líbano 30 a 40% da população é cristã, o apostolo Pedro fundou a Igreja de Antioquia ou Síria, uma das Sés Patriarcais do cristianismo primitivo que com Roma, Alexandria, Jerusalém e Constantinopla formaram a “pentarquia”, governo dos cinco patriarcas.
As semelhanças de valores e tradições cíclicas entre os povos de cultura mediterrânica são expressivas, têm origem no paganismo, óbvio que derivam de civilizações comuns.
O que é o Ocidente? E a cultura ocidental?
Ocidente e Oriente são conceitos geográficos, definidos por linhas imaginárias, as coordenadas, com o equador como referência, permitem estabelecer a posição dos lugares nos hemisférios norte e sul, da latitude 0º à 90º. O meridiano de Greenwich, longitudinal, estabelece os fusos horários e a contagem do tempo.
E a cultura europeia? No continente europeu são múltiplas e diversas as expressões linguísticas, valores socio-religiosos e patrimoniais, vivências comunitárias, etnicidades (latinos, eslavos, anglo-saxónicos…), comportamentos e práticas sociais diferenciadas que não se enquadram na versão dualista e artificial da geopolítica mediatizada.
A construção do “Outro”, transformou-nos em “civilização ocidental”, numa “Europa Ocidental” dirigida pelas potências que estiveram na origem de duas guerras mundiais, não é o continente europeu de Lisboa aos Urais, mas metade dele.
Se ciência é dialéctica, a informação necessita de contraditório e rigor nos conceitos.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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