Após a apresentação pelo Governo, no passado dia 16 de fevereiro, do pacote Mais Habitação, destinado a resolver os problemas de habitação que o nosso país enfrenta, a polémica não mais parou.
Se algumas das medidas apresentadas são relativamente consensuais, outras estão longe disso.
As medidas a aplicar ao AL – Alojamento Local encontram-se nesta segunda categoria, daquelas que geram discórdia e, por isso, têm feito correr muita tinta. Associações do setor, empresários e investidores e autarquias estão entre aqueles que estão contra medidas como a limitação absoluta de emissão de novas licenças para alojamentos locais ou o fim do alojamento local em 2030.
Mas, afinal, fará sentido acaba com o AL para resolver os problemas da habitação? Vamos aos factos, aplicados ao caso do Algarve:
1 – O Alojamento local ocupa apenas 11% do total de alojamentos familiares existentes no Algarve
De acordo com os Censos de 2021, do INE, o Algarve dispunha, em 2021, de 391.416 alojamentos familiares.
Analisados os registos de alojamento local na plataforma do Registo Nacional de Alojamento Local, verifica-se que se encontram registados 31.235 AL na região, ou seja, apenas 11% do total de alojamentos disponíveis.
Por outro lado, importa ter presente que a pressão do AL não é igual em todos os concelhos. No caso do Algarve verifica-se menos pressão em Alcoutim (1%) e Faro e Monchique (2%), existindo maior pressão em Aljezur e Lagos (19%) e Albufeira (21%).
Perante esta disparidade parece não fazer sentido aplicar uma medida única, que não tenha em conta a diferente “pressão” do AL nos vários territórios.
E, não menos importante, é necessário não esquecer que nem todos os alojamentos locais foram instalados em edifícios habitacionais, disponíveis para habitação. Parte da oferta de alojamento local foi instalada em edifícios devolutos e degradados, tendo contribuído para a sua recuperação e consequente melhoria da imagem dos territórios.
2 – Abdicar da oferta de alojamento local compromete a oferta turística regional
O peso da oferta de alojamento local varia de concelho para concelho. Em alguns concelhos, a oferta de camas depende quase exclusivamente do alojamento local, como é o caso de Aljezur ou Olhão, onde o AL representa mais de 90% das camas disponíveis. E mesmo nos concelhos onde o peso do AL é menor, como acontece em Vila Real de Stº António ou Albufeira, é responsável por cerca de metade da oferta existente.
No Algarve, duas em cada três camas turísticas, são disponibilizadas em regime de alojamento local. Acabar com o AL implicaria comprometer 2/3 da oferta turística regional.
Seria um erro enorme, com consequência gravíssimas, implementar medidas sem levar em linha de conta esta realidade.
3 – Menos oferta turística significa menos emprego e menos receitas
De acordo com as estimativas existentes, com quase 70 milhões de dormidas em 2022, o setor do turismo em Portugal terá gerado receitas próximas dos 22 mil milhões de euros.
Numa conta simples, em proporção, o Algarve, com mais de 19 milhões de dormidas, representou 27% do total das dormidas do país, pelo que terá gerado uma receita próxima dos 6 mil milhões de euros.
Se àquele valor retirássemos a proporção de camas em regime de AL, estaríamos a tirar à região 4 mil milhões de receitas. Sendo o turismo o principal setor de atividade do Algarve, com impacto direto ou indireto em cerca de 60% a 70% da economia regional, é fácil perceber o enorme impacto que o fim do AL traria ao Algarve.
Uma redução do número de camas turísticas disponíveis implicaria menos turistas, menos clientes para setores como os transportes, a restauração, a animação, a cultural e demais oferta destinada a turistas, pondo em causa postos de trabalho e receitas turísticas.
Face ao cenário apresentado, várias coisas não fazem sentido no programa do Governo. Não faz sentido colocar o Alojamento Local como responsável, e como salvador, do problema de habitação em Portugal; não faz sentido acabar com o Alojamento Local por decreto; não faz sentido que perante diferentes impactos do AL ao longo do território se tome uma medida única e cega; não faz sentido colocar em causa toda uma economia regional, para resolver o problema da habitação.
Na economia as análises custo / benefício servem para quantificar e avaliar os benefícios e os custos de um determinado projeto ou proposta.
No caso das medidas propostas para o AL, o Governo, seguramente, não teve em conta esta avaliação custo / beneficio.
Haverá, certamente, boas soluções para o problema da habitação em Portugal. Mas acabar com o AL não será uma delas.