A par do jornalismo – e teve muitos projetos –, a sua grande paixão foi sem sombra de dúvida, Paderne, sua aldeia natal. Por ela resistiu e foi à luta.
Viu nascer Albufeira para o turismo no tempo em que não havia hotéis e os turistas eram encaminhados para casas particulares.
Afirma-se desiludido com os agentes políticos algarvios e lamenta o desinteresse das autarquias no apoio à imprensa regional.
Hoje fragilizado pela doença, mas sempre lúcido e corajoso como sempre o conheci, não depõe armas e ainda recentemente deu à estampa a sua mais recente obra “De Badirna a Paderne – Longa Viagem no Tempo”. Nesta conversa – mais do que entrevista – Arménio Aleluia Martins desfia memórias e lembra os amigos da escola e de brincadeiras. Os bailaricos, os amores e os namoricos. Fala de tudo conjugando sempre o verbo no presente. Até nas memórias mantém a atualidade. Há hábitos que não se perdem.
Fala-me das tuas memórias de Albufeira, onde nasceste e cresceste? Como eram esses tempos?
As memórias de Albufeira são muitas e começaram bem cedo. Não nasci nesta cidade, então vila piscatória, mas em Paderne uma das quatro freguesias do concelho.
Na minha juventude as visitas à sede do concelho eram escassas apesar de lá viver uma prima de minha mãe, que era chefe da estação dos correios. Recordo-me de ter visto os efeitos trágicos das inundações de 25 de outubro de 1948 e mais tarde de 30 de dezembro de 1949, deixando um rasto de destruição nas casas existentes nas zonas mais baixas da vila.
A opção foi desviar o curso da ribeira, que desaguava no mar junto à praia dos Pescadores, para um túnel sob os prédios ali existentes até à praia do Peneco.
Quando regressei a Albufeira para o exame da 4ª classe a vila estava quase recuperada dos efeitos das inundações. Voltaria dois anos mais tarde para no Colégio da Orada concluir o primeiro ano do ensino secundário com a oportunidade de conviver não só com os colegas e professoras, mas também com os moradores que tentavam sobreviver numa terra cheia de problemas.
O futuro seria mais feliz nos anos vindouros, graças aos efeitos de um turismo que ia crescendo.
Depois de alguns anos de permanência em Faro e Paderne, regressei a Albufeira, não para viver ou estudar, mas para passar alguns momentos de lazer na praia ou na Esplanada do Túnel que era considerada o grande centro do turismo, não só de Albufeira, mas do Algarve. Realizavam-se aqui animados bailes abrilhantados por conjuntos e orquestras famosas, além dos mais diversos eventos culturais e sociais, como saraus de poesia, concursos de dança, eleições de misses ou desfiles de moda.
Durante duas ou três épocas colaborei como responsável em relações públicas neste local, utilizado também como restaurante. Havia ainda um outro espaço contíguo, denominado Gruta Alentejana, a poucos metros de distância e onde se realizavam além de bailes outros eventos, num ambiente mais acolhedor em dias frios e ventosos.
O turismo que até então era incipiente, apesar dos esforços da Comissão de Turismo de Albufeira, começava agora a revelar excelentes condições, não só nas praias de finas areias e num mar calmo e convidativo a refrescantes banhos, mas com outras estruturas para receber turistas e visitantes.
Durante muitos anos, carenciada de recursos hoteleiros onde as duas pensões existentes não conseguiam receber os muitos turistas que surgiam, obrigavam a que estes tivessem de recorrer a casas de familiares ou de pescadores que alugavam quartos ou a totalidade das suas habitações.
Alguns anos mais tarde começaram a surgir, em prédios adaptados para o efeito, residenciais e outros equipamentos para receber turistas ou visitantes de ocasião.
Foi doloroso sentir que a autarquia não mostrou vontade de apoiar o jornal (…). De um modo geral, continuo a notar a ausência de apoios das autarquias e das entidades regionais no reconhecimento da importância da imprensa regional no desenvolvimento do Algarve
Em 1955 o empresário Joaquim Vinhas Cabrita apresentou o projeto de construção de um hotel de grande capacidade, mas, somente em 1965, dez anos volvidos, surgiu o Hotel Sol e Mar, com a capacidade para receber mais de uma centena de turistas e edificado no espaço de vários prédios existentes sobre o túnel de acesso à praia do Peneco. Este tão desejado equipamento hoteleiro veio suprir as muitas carências existentes na vila e aumentar a capacidade de alojamentos.
Existia apenas desde 1960, a Colónia de Férias da FNAT, aproveitando parte de uma estrutura existente no local onde, anos antes fora iniciado um prédio para alojar trabalhadores ligados a associações sindicais.
O crescimento da vila nos mais diversos setores, onde o turístico impunha o seu peso económico e social, fez nascer novos espaços hoteleiros, sendo de registar a construção do Hotel Baltum em 1968, propriedade dos Estabelecimentos Teófilo Fontainhas Neto e nos arredores um dos primeiros cinco estrelas do Algarve o Hotel da Balaia, com 140 quartos e estruturas de inegável qualidade, tal como o D. Filipa em Vale do Lobo, Praia da Rocha em Portimão e Alvor Praia.
Conhecida como a Saint Tropez portuguesa pelas caraterísticas semelhantes à da conhecida praia francesa, Albufeira e o Algarve abriram as portas ao Mundo quando em 22 de julho de 1968 foi inaugurado o Aeroporto do Algarve com o voo da TAP, entre Faro e Frankfurt. Surgiram nos anos seguintes a Estalagem do Cerro, o Hotel Mar-à-Vista, a Residencial Mira-Serra e nas Açoteias o Hotel Pine Cliff, com campo de golfe.
A minha ligação a Albufeira no âmbito do turismo começou na já referida Esplanada do Túnel e prosseguiu nas mais diversas atividades culturais, desportivas e políticas. Ao longo dos anos fui dirigente da Associação António Sérgio, Bombeiros Voluntários, Imortal Basket Clube, Casa do Benfica, Associação Prime Skill, além de vereador da Câmara Municipal.
As tuas origens familiares. Os teus pais o ambiente social?
Sou oriundo de uma família padernense. Meu pai foi funcionário do Grémio da Lavoura, comerciante, agricultor, segurador e autarca e minha mãe, doméstica e funcionária dos CTT, durante mais de quarenta anos. Tenho um irmão que é engenheiro, funcionário da Radiofusão Portuguesa e professor na Universidade do Algarve e uma irmã funcionária da Portugal Telecom. Vivi sem problemas sociais e económicos, integrado nas sociedades padernense e algarvia.
A escola, as professoras, os colegas?
Na idade escolar frequentei a Escola Primária de Paderne a escassos metros de minha casa e durante alguns meses o colégio dirigido pelo padre António Mateus, sendo forçado a interromper as aulas por um acidente com motorizada. No ano seguinte fui transferido para o Colégio da Orada, em Albufeira. Como ficava fora da vila, o caminho era feito a pé, num clima alegre e divertido.
No ano seguinte matriculei-me no Colégio Pedro Nunes em Faro, de onde fui transferido para o liceu da mesma cidade. Interrompi o percurso porque o meu pai teve um grave acidente rodoviário e regressei a Paderne para substituí-lo, no comércio. Entretanto tirei um curso de rádio e televisão e mais tarde voltei aos estudos, frequentando outro de guia de turismo, o primeiro realizado no Algarve e do qual saíram cinco profissionais. Como é natural criei muitas amizades entre os companheiros.
E quanto às namoradinhas, as paixonetas, os bailaricos…?
Na idade adulta, tal como na juventude adquiri muitas amizades nos dois sexos, não esquecendo as namoradinhas em passeios, convívios e bailes. Num tempo de inesquecíveis recordações promovia bailes com um gira-discos que na época era de grande importância por não existirem muitos aparelhos desse género. De tal modo que foi criado um grupo de amigos que foi denominado “Os Mosquiteiros” a fazer lembrar o que existiu na literatura francesa, mas sem espadas ou violência, mas amizade e amor.
E vem desse tempo o teu papel de intermediário de uma paixão envergonhada que o amigo Aníbal não sabia como assumi-la…?
Desse tempo recordamos alguns factos, tais como os que envolveram o namoro entre o meu amigo Aníbal Cavaco Silva e a minha conterrânea Maria Alves. Não quero dizer que tive alguma relação nesse casamento, mas existiram algumas coincidências que levaram a tal situação, como por exemplo o baile realizado no recinto defronte da antiga escola primária de Boliqueime, quando as relações entre os dois não eram muito propícias para um normal entendimento. Dias mais tarde propiciei a pedido do pai do Aníbal, senhor Teodoro Cavaco Silva, a ida do filho para a casa do tio da Maria Alves em Lisboa. O resto já se sabe ou pelo menos deixa explicar porque os dois casaram e são felizes.
Profissionalmente foste um homem dos sete ofícios, profundamente marcado pelo jornalismo a tua fonte vital e primordial. Mas tinhas projetos paralelos como modo de vida, não?
A vida profissional teve várias fases. A atividade de guia-turístico começou com alguns hiatos porque o turismo que estava a nascer no Algarve não oferecia muitas vantagens ao haver somente um dia de trabalho por semana.
Um dos sócios da empresa industrial Fábrica de Cerâmica do Algarve, Lda fez-me um pedido para, num curto espaço de tempo, substituir um empregado contratado por um grupo empresarial de Vila Real de Santo António que tinha uma fábrica de barcos nesta cidade e a exploração da Mina de S. Domingos.
Por ser um emprego de curta duração não desisti da atividade turística. Semanas depois recebi da Região de Turismo um convite para a receção do Hotel Sol e Mar, lugar que ocupei apenas durante um mês, no período noturno, dado que era muito fatigante a acumulação dos dois serviços.
Na Faceal foi-me então proposto um novo contrato de trabalho que durou mais de quarenta anos.
O jornalismo: como começou, a paixão, a dedicação…?
De regresso a Paderne e acumulando a atividade de empregado de escritório com a de jornalista, fiz ressurgir o jornal a Avezinha. A minha paixão pelo jornalismo vinha desde os meus dez anos quando iniciei a função de colaborador do jornal “O Grão de Bico”. Seguiram-se o “Notícias do Algarve”, o “Jornal do Algarve” e mais tarde correspondente do “Diário de Notícias”, “O Jogo”, “Tal e Qual” e o “Dia”.
“Vejo e sinto que os governantes, de forma bem evidente, esquecem as suas obrigações políticas e sociais de apoiarem esta região dotando-a dos serviços prometidos ou melhoramentos desde há muitos anos reivindicados (…). Com esquecimentos e mentiras, os anos passam e o futuro do Algarve vai regredindo, apesar dos atributos de uma região esquecida por alguns que elogiam as suas belezas e as potencialidades para o turismo, mas nada fazem para melhorar a situação”.
E como foi a herança e o peso da responsabilidade de manter o título e a edição da Avezinha?
Apesar das muitas dificuldades havidas para manter viva a ideia de publicar o jornal numa terra de fracos recursos económicos sempre mantive a determinação de o fazer para que Paderne não fosse esquecida. As dificuldades económicas para garantir a sobrevivência do projeto, motivaram o desiderato de, contra a minha vontade, manter a sua publicação até quando fosse possível indemnizando os empregados e liquidando os compromissos assumidos.
No quadro das crescentes dificuldades para manter um título de referência no jornalismo algarvio, que honrava o concelho, projetando e defendendo os interesses de Albufeira e dos seus cidadãos, tiveste alguns apoios, as portas estavam fechadas ou não foste bater a nenhuma delas?
Foi doloroso sentir que a autarquia não mostrou vontade de apoiar o jornal e esse apoio era somente manter a inserção da publicidade institucional, referente aos anúncios das obras que a lei exigia serem efetuadas nos jornais do concelho. Foi um sinal de falta de consideração pelo papel dos jornais, na vida dos cidadãos. De um modo geral, continuo a notar a ausência de apoios das autarquias e das entidades regionais no reconhecimento da importância da imprensa regional no desenvolvimento do Algarve.
O grupo editorial da Avezinha ainda alimentou a ideia de avançar com o projeto do Diário do Algarve. O que falhou?
A empresa EDIGARBE – Sociedade Editora do Algarve, Lda proprietária do jornal A Avezinha e de uma dezena de títulos, quase todos publicados com regularidade, teve a preocupação de consolidar o projeto que incluía a edição do “Diário do Algarve”, o que foi conseguido durante mais de um ano e de que resultaram prejuízos. Ainda entre os projetos esteve a Rádio Barrocal, em Paderne, uma das primeiras a surgir no Algarve, continuada com a Rádio Albufeira em 1986 que coincidindo com a subida de vila a cidade, foi denominada a estação da Cidade Nova.
Conhecendo a região algarvia como conheces, como olhas para o Algarve presente, o modelo de desenvolvimento, os protagonistas ou falta dele, a relevância ou nem tanto dos agentes políticos locais. Algarve, que futuro?
Conhecedor da história do Algarve e das vicissitudes da vida dos algarvios vejo e sinto que os governantes, de forma bem evidente, esquecem as suas obrigações políticas e sociais de apoiarem esta região dotando-a dos serviços prometidos ou melhoramentos desde há muitos anos reivindicados. Não será de olvidar o papel do turismo para a economia do País sem que a região seja compensada.
O modelo de desenvolvimento não é o mais indicado com as culpas maiores dos membros do Governo que sistematicamente vão-se esquecendo das suas obrigações. Não sei se algumas são dos políticos locais ou a falta da tão propalada regionalização. Com esquecimentos e mentiras, os anos passam e o futuro do Algarve vai regredindo, apesar dos atributos de uma região esquecida por alguns que elogiam as suas belezas e as potencialidades para o turismo, mas nada fazem para melhorar a situação.
Biografia: Arménio Aleluia Martins
- Nasceu a 19 de maio de 1940, em Paderne, terra onde reside.
- Como formação académica tem os cursos de Guia-Intérprete, pelo SNI e Direito do Trabalho, pelo ITE. Possui o Curso de Jornalismo e Gestão no CFPJ – Centro de Formação dos Jornalistas em Paris, tendo sido Bolseiro da Direcção Geral de Informação.
- Em Lyon estagiou como jornalista no diário francês “Le Progrés”. Foi diretor dos jornais “a Avezinha”, “Hora de Albufeira” e “Diário do Algarve” Foi também diretor de Informação da Rádio Albufeira e Rádio Barrocal, colaborador da RDP, correspondente do “Diário de Notícias” durante 35 anos, delegado no Algarve da agência informativa ANOP, do jornal “O País” e colaborador em diversos jornais e rádios regionais e nacionais (de informação geral e desportiva).
Livros publicados:
- “Os anos de ouro do acordeão no Algarve” – 2001; “Música em Três Séculos” – 2005; “Onde os rouxinóis cantam Paderne terra de poetas” – 2006; “O Algarve e o sonho” – Portfólio 2008; “Da Cultura ao Desporto, uma Longa Caminhada”, em parceria com Luís Santos Silva Alho 2010; “Gente de Boliqueime” – Estudo biográfico 2012; “Entre a Serra e o Mar” – Nova Monografia de Paderne 2013; “Agora Chuto Eu” em 2015, “Nascida do Barro” 2019 e “De Badirna a Paderne – Longa Viagem no Tempo” em 2022.