Eu Vi Uma Flor Selvagem – O Herbário do Astrofísico, de Hubert Reeves, com tradução de Sara Veiga e de Teresa Henriques Goulã, e revisão científica do Professor Carlos Fiolhais (físico e diretor da Coleção «Ciência Aberta», em que esta obra se integra), foi recentemente publicado pela Gradiva. Uma belíssima edição repleta de imagens, pois cada flor aqui apresentada por Reeves surge ilustrada por fabulosas fotografias a cores pela lente de Patricia Aubertin, tiradas no campo de Malicorne.
Hubert Reeves, nascido em 1932 e falecido no ano passado, em 2023, astrofísico e aclamado divulgador científico, é conhecido como o “poeta do espaço”, ou o “poeta das estrelas”. Mas se noutros livros (todos eles publicados pela Gradiva), como Um Pouco Mais de Azul, ou O Banco do Tempo que Passa, nos encanta com os mistérios cósmicos, ao mesmo tempo que nos inquieta com as ameaças à vida na Terra, neste seu “herbário” o fito de Hubert Reeves é mais terra-a-terra.
Na senda de livros sobre a arte de caminhar – algo que anda entre o exercício físico e a meditação plena -, Reeves relembra-nos, especialmente neste tempo que antecede a chegada da primavera, que não precisamos de olhar para cima para ficarmos maravilhados com algo que muitas vezes nos passa ao lado e mal observamos: as flores selvagens dos campos.
“O caminhante que percorre o campo observa o mundo à altura dos seus olhos. É aquilo que podemos chamar de «observatório pessoal». O que observamos da natureza é definido por esta escala de tamanho.” (p. 17)
O autor partilha o prazer de ver, de saber reconhecer e identificar estas flores que observou diariamente durante os seus passeios pelos bosques de Malicorne, em França (uma aldeiazinha no norte da Borgonha, onde Reeves e a mulher compraram uma quinta, uma propriedade que se tornou um projeto). Além das fotos incluídas no livro, o leitor pode ainda explorar um sítio eletrónico onde encontra uma ampla seleção destas imagens.
“Vi uma flor selvagem.
Quando aprendi o seu nome,
achei-a mais bela.”
De acordo com o Haiku japonês que serve de epígrafe a este livro o autor oferece-nos textos avulsos de “Considerações botânicas”, a introduzir e a encerrar este seu herbário. Mas o grosso do livro consiste no seu “florilégio”, mais de 200 páginas com as suas impressões pessoais de flores, das mais rasteiras e desprezadas, como silvas e urtigas, às mais comuns do campo, como as margaridas. Nesta iniciação botânica, Hubert Reeves partilha a sua relação pessoal com cada uma destas flores e para cada uma delas revela uma história, uma memória, um facto improvável quiçá desconhecido do leitor.
Este autor, cujos olhos estão habituados a perscrutar as estrelas, leva-nos agora a baixar o olhar para o território verde e selvagem do campo (não são os jardins artificialmente ordenados que lhe interessam), na esperança de detetar “um novo rebento, flores silvestres, botões de flores, caules a emergir por entre um arbusto” (p. 221).
Um livro de um homem de ciência, cheio de poesia, que nos relembra como o reino vegetal não é todo básico, como durante muito tempo se passou, pois graças às pacientes observações de várias gerações de botânicos passámos a ver as plantas de outra forma, agora que sabemos que ainda que não pareçam ter órgãos, como os animais ou os humanos, são igualmente capazes de percecionar o ambiente que as envolve, de se adaptar s ele por meio de movimentos subtis, de comunicar as suas impressões a outras plantas, de manter uma vida social complexa (estabelecendo ligações com plantas vizinhas; criando ligações com fungos, bactérias e insetos), sendo mesmo capazes de se defender de ameaças, ao emitir sinais de stress de forma a reagir a agressões e alterando a sua composição química.
Hubert Reeves (1932-2023), astrofísico e aclamado divulgador científico, lecionou cosmologia em Montreal e Paris. Escritor admirado pelos seus leitores, publicou na Gradiva todos os seus livros – Um Pouco Mais de Azul, A Hora do Deslumbramento, Malicorne, Aves Maravilhosas Aves, A Agonia da Terra, Crónicas dos Átomos e das Galáxias, Já Não Terei Tempo, Últimas Notícias do Cosmos, Poeira das Estrelas, O Universo Explicado aos Meus Netos, O Banco do Tempo que Passa, Hubert Reeves Explica a Biodiversidade, O Universo, O Mar Explicado aos Nossos Netos, Onde Cresce o Perigo Surge Também a Salvação. Reeves presidiu à associação Humanidade e Biodiversidade e à nova Agência Francesa para a Biodiversidade.
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