Não é verdade que a verdade seja só uma. Dentro de cada um de nós, há várias verdades e por mais que a mercadoria queira unificá-la à sua imagem e o homem erga barreiras de acordo com critérios fabricados, continuam a existir tantas verdades quantos os grãos de areia no deserto.
Isto significa que os critérios pelos quais se pautam a autoproclamada civilização europeia não são universais e não reflectem frequentemente a verdade do Médio Oriente, da Ásia, de África, dos Esquimós (agora chamados de Inuítes) ou das tribos perdidas da Amazónia. É um sintoma da mentalidade de colonizador e da incapacidade de cultivar empatia ou compaixão. Sim, porque a empatia é como um músculo que se pode treinar para que consigamos relacionarmo-nos e sentir as dores de outros como se fossem nossas. Algo muito perigoso num mundo orientado para o embrutecimento competitivo, bem sei.
Também nas classes sociais e profissionais sucede o mesmo. Assistimos a professores a lutar pelos seus (incontestáveis) direitos a qualquer preço, sem ter em conta o efeito e o custo das greves constantes sob os seus pares – alunos e pais – usando-os como escudos humanos para atingir os governos. Sem consideração ou reconhecimento ou solidariedade pela precariedade em que esses mesmos pares se encontram. Quem diz professores, diz estivadores, agricultores, médicos, polícias e qualquer outra classe profissional. Todos agem segundo interesse próprio e de forma mecanicista, sem reconhecer que uma sociedade é um organismo vivo onde qualquer alteração ao nível do átomo terá implicação no ambiente celular e em todos os restantes átomos. Ou seja, estamos todos interligados, queiramos ou não.
Tempos houve em que protestos e greves eram desenhados para atingir o poder e não só havia o cuidado de não instrumentalizar os pares como os mesmos eram habitualmente solidários e aderiam ao protesto. Tenho noção de quão romântico estou a ser, mas é por essa razão que vou continuar. Foi o pragmatismo das contas certas que nos trouxe aqui. De que adianta o saldo ao fim do mês ser positivo se a roupa está esburacada e a barriga vazia? E como poderemos ser felizes ao ter a barriga cheia se todos à nossa volta tiverem fome?
É urgente ser mais inteligente e solidário nos nossos protestos, na nossa revolta e na forma de perseguir os nossos objectivos. Precisamos de não ser vítimas do aforismo de Sun Tzu: dividir para reinar. Precisamos de não ser insensíveis a quem nos rodeia. Precisamos de não acreditar na campanha permanente de que a nossa felicidade não depende da dos outros e que se atinge ao ser o número um a qualquer custo. Precisamos de parar e perceber de que forma as nossas decisões têm efeito em quem nos rodeia.
Precisamos de reaprender o espírito de sacrifício. Precisamos de abdicar de algo pelo bem-estar de alguém que nem sequer conhecemos. Precisamos de ser mais Palestinianos, Ucranianos, Africanos, Asiáticos, mulheres, LGBTs, adolescentes, idosos, proletários, imigrantes, Panteras Negras, Zapatistas, Salgueiro Maia e acreditar em algo mais do que o material, o palpável e o tangível.
Precisamos desesperadamente de uma empatia radical.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
Leia também: Silêncio é morte quando até a Barbie lê Marx | Por Cobramor