ARTE OU VANDALISMO
A teoria das janelas quebradas publicada em 1982 por James Wilson e George Kelling advoga que se uma janela de um edifício degradado for quebrada e não for de imediato reparada, muito brevemente todas as janelas estarão partidas, seguir-se-á a ocupação, provavelmente o incêndio. Por analogia, esta teoria poderia aplicar-se ao lixo deixado nas ruas, às pedras soltas da calçada, aos restos de obras diversas ou à grafitagem que prolifera impune em edifícios públicos e privados, pontes, viadutos, vedações, qualquer espaço serve. A Lei 61/2013 era suposta pôr ordem na casa, mas não passa de mais uma papeleta morta que não serve para nada, que toda a gente parece desconhecer ou a que ninguém passa cartão.
Em Olhão e em Loulé podem ver-se alguns murais lindos, mas a maioria da gatafunhagem é lixo, vandalismo sem talento
Muito convenientemente, o Estado central despachou para as autarquias (leia-se polícia municipal ou serviços de fiscalização municipal) a incumbência da sua aplicação e fiscalização, com coimas dos 100 aos 25.000 euros para os infractores, mas reservou para si 60% da receita. Não dá processo-crime, é matéria de contraordenação. Uma inutilidade. Não há notícia de “artistas” da noite apanhados em plena acção, nem de operações de vigilância que contrariem a onda imparável que está a transformar aceleradamente a paisagem urbana das nossas aldeias, vilas e cidades, perante a passividade de toda a gente. Uma autêntica epidemia. Há quem veja neste movimento underground um sinal de cultura, criatividade e rebeldia, que não deveria ser estigmatizada pela sociedade. Um regresso ao espírito de Maio de 68 em Paris, de Manhattan anos 70, ou do pós-25 de Abril, em que se destacavam os murais do MRPP. Mas é também um sinal visível de declínio moral, de comportamento anti-social, uma imagem de marca de terceiro mundismo. Existe ali arte urbana? É verdade. Em Olhão e em Loulé podem ver-se alguns murais lindos, por exemplo. Mas a maioria da gatafunhagem é lixo, vandalismo sem talento. Uma mensagem de que “já ninguém se importa”. O desleixo como regra.
REGIONALIZANÃO
No jazigo IV das catacumbas da Constituição mora há quase meio século a Regionalização de Portugal. Perdeu-se nas contas do tempo o número de promessas eleitorais logo seguidas por obstáculos intransponíveis. Partidos políticos com assento parlamentar caminharam por esse chão. Alguns inverteram depois os programas pisando essa bandeira debaixo dos pés. Cavaco declarou guerra à criação de regiões em 1992 depois de ter lançado um livro branco e um profundo debate na sociedade portuguesa sobre os benefícios da Regionalização. O Referendo de 1998, patrocinado por Marcelo e Guterres, pôs-lhe uma pedra em cima por muitos e bons anos, sabe-se lá se perpetuamente. Um mapa estúpido do retalho de Portugal deu cabo de tudo. O argumento nunca contrariado do despesismo e de “mais tachos para políticos” tornou-se irresistível. Até hoje. A Geringonça poderia ter avançado, mas teve outras prioridades. O pio regionalista de Rio variou de tom conforme as ocasiões. E quem se der ao trabalho de ler os programas eleitorais dos principais partidos às legislativas de Janeiro passado confirmará o interesse minimalista que o tema lhes mereceu. É verdade que Costa prometeu um novo referendo para 2024. Só que isso foi antes da invasão da Ucrânia, e de repente o mundo mudou. A crise está aí no bolso de toda a gente, o futuro mais incerto do que nunca. Uma nova consulta na actual conjuntura poderá ser o fim do sonho. A morte matada do processo. A vitória definitiva da RegionalizaNÃO.
VIRA O DISCO…
Actuaram nas Festas da Cidade de Olhão, na Cimeira das Motos em Faro. Os Xutos e Pontapés têm um lugar marcado no Panteão Nacional da música Rock & Roll. 43 anos no activo é obra! É admirável como continuam em digressão, arrastando multidões inter-geracionais na Volta a Portugal dos Concertos, repetindo a ladainha da “minha alegre casinha” até à exaustão. Zé Pedro morreu, o Tim inchou na proporção inversa à qualidade da voz que nunca foi grande coisa, e a inspiração desapareceu há muito nas curvas da estrada. Houve uma excepção. O tema “Sem Eira nem Beira”, editado em 2009, que pôs o país inteiro a cantar. Um sucesso imediato. Tão surpreendente, como o seu súbito desaparecimento das rádios, das lojas, dos concertos. Um rapto nunca explicado, jamais resolvido. Talvez porque a primeira frase do refrão começava assim: “Senhor engenheiro, dê-me um pouco de atenção…”
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico