DEVOTOS DE SANTA ENGRÁCIA
A derrapagem nos prazos das obras públicas é uma imagem de marca do nosso País. E a derrapagem financeira que lhe está associada é praticamente obrigatória, para proveito de alguns, passando incólume para quem decide e para quem executa, que o Tribunal de Contas chega sempre muito depois do prejuízo. Os incómodos sobram para o público que sofre o efeito do prolongado estado de perturbação do espaço que é de todos, e os custos por igual medida, que é sempre o povo quem paga no fim.
Em Portugal, quando se abre um buraco na estrada, na avenida, na rua ou no passeio, para um remendo qualquer, um atravessamento de tubagem, nunca se sabe quando terá lugar a reposição da normalidade da circulação. Montinhos de pedras da calçada, passam a fazer parte da paisagem urbana, perante a indiferença de quem manda, dos fiscais, ou seja, de quem for com responsabilidade mínima que por ali passe. Valas para saneamento básico em estrada velha nunca deixam o pavimento nivelado como era. Há coisas que são lei consuetudinária, é tradição, virou costume, a excepção só confirma a regra.
Das chamadas obras grandes, é notória a câmara lenta com que “progride” uma electrificação da linha ferroviária do Algarve que passa ao lado da modernização que se impunha
Não existe época ideal para uma obra pública que não interfira com a rotina dos cidadãos. Se for lançada no Inverno, é porque há chuva, transforma tudo num lamaçal perigoso e escorregadio. Se começa no Verão, as cabecinhas pensantes não têm em conta a época alta do turismo, a explosão do tráfego rodoviário. Pelo meio, já nem há espaço para primaveras e outonos, tal é a confusão das alterações climáticas. Se é verdade que o interesse da colectividade se sobrepõe ao interesse individual, não é aceitável que em pleno século XXI obras comandadas pelo Estado ou pelas autarquias se prolonguem para lá do razoável, provocando prejuízos, incómodos e danos desproporcionais a cidadãos, a comércios e serviços.
Exige-se à Administração Pública mais exactidão e excelência, de forma a minimizar os impactos, informar os prazos, e ser exigente no seu cumprimento. Há que saber equacionar o incómodo com a utilidade, e os custos com as alternativas, buscando as soluções técnicas adequadas.
Não se trata de atrasos como o da Igreja de Santa Engrácia, hoje Panteão Nacional, cuja construção durou 400 anos de 1568 até ao exacto dia 7 de Dezembro de 1966, quando o trio Cerejeira-Tomás-Salazar o inaugurou. Mas a população começa a ficar farta destas pequenas Engrácias sem graça nenhuma que se multiplicam um pouco por todo o lado, nas aldeias, vilas e cidades. Provavelmente, os cidadãos reclamam pouco, ou desconhecem os seus direitos. Entretanto, do lado público, das chamadas obras grandes, é notória a câmara lenta com que “progridem” uma electrificação da linha ferroviária do Algarve que passa ao lado da modernização que se impunha, uma requalificação da EN 125 bloqueada em tribunal arbitral, ou a amnésia no que respeita ao hospital central, já “construído” com tantas primeiras pedras de tantas promessas eleitorais.
Do lado privado, é espantoso o estado parado, paradinho, paradão, da recuperação de uns edifícios degradados à entrada sul da Rua D. Francisco Gomes em plena baixa histórica de Faro, anos e anos a fio, estaleiro congelado, grua imóvel, postal indecente para uma cidade tão linda. Num tempo em que o número de descrentes parece cada vez maior, ainda há devotos da Santa para todos os gostos e feitios.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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