IMPARÁVEL CONSTRUÇÃO CLANDESTINA
Notícia fresca deu conta da preocupação da Câmara Municipal de Vila do Bispo com a proliferação de casas ilegais na área daquele município, integrado aliás no Parque Natural da Costa Vicentina. Pelas suas contas, já serão mais de 300 as edificações clandestinas, sem licença, sem projecto, ao arrepio de qualquer noção de ordenamento do território ou planeamento urbanístico. O fenómeno começou numa certa camuflagem, distante da estrada, entre o arvoredo e a vegetação. À medida que a impunidade compensa, já se aproximou da civilização, sem receio nem vergonha.
Portugal transformou-se num paraíso para quem manda às malvas as leis, as regras e os regulamentos. Consumatum est. Trata-se, sobretudo, de habitações modulares e pré-fabricadas, e de uma epidemia de contentores adaptados. Já aqui denunciámos este flagelo, que está em plena explosão. Não é só em Vila do Bispo. É no Algarve inteiro. A CCDRA está em silêncio. O Governo está longe. A AMAL tem o pensamento noutros temas. As autarquias assobiam para o lado, fingem que não vêem, fazem que não sabem. A fiscalização é uma treta. Ou, se existe, nada acontece para punir infractores, nem para repor a legalidade. A palavra demolição não existe.
Os distribuidores de energia eléctrica deixaram de se preocupar com licenças de habitabilidade, além de que o fotovoltaico suprirá as necessidades, não importa onde. A imigração descontrolada, a ausência prolongada de uma política de habitação, mas também o oportunismo de muitos, criaram um problema irreversível. Há novos ghettos a formar-se todos os dias, ou favelas se importarmos a designação, à beira das nossas cidades, ou até dentro delas.
O que é espantoso é que, nos dias de hoje, à luz das evidências e das previsões de subida do nível médio das águas do mar, se continuem a licenciar novos empreendimentos mesmo à sua beirinha
Se o contador de Vila do Bispo vai em 300, estamos seguramente perante muitos milhares de infracções à escala da Região. Ninguém faz nada, nem ninguém fará nada para contrariar isto. Não dá votos, só dá chatices. E quem se dá ao trabalho, à despesa e à paciência de mandar executar projectos, e requerer aprovação para licenciamento, respeitando a lei, depara-se com uma burocracia implacável e meticulosa ao mais ínfimo pormenor. A desigualdade entre cidadãos também se mede por aqui.
PÁSCOA AGRIDOCE
É quase sempre assim. A alegria de uns é a tristeza de outros. As amêndoas da Páscoa trouxeram ao Algarve uma mistura de amêndoa amarga com amêndoa doce. A chuva abundante, numa sequência alargada de dias como há muito não se via por aqui, encheu albufeiras, penetrou terra abaixo, refrescou o arvoredo, as culturas e a vegetação rasteira, deu vida aos favais, e encheu de júbilo os agricultores que logo reivindicaram um alívio nas restrições ao consumo de água.
No pólo oposto, lamentaram-se os hoteleiros, que viram frustradas as expectativas do anúncio prematuro de uma afluência turística record, pois a chuva fez recolher os reservistas de última hora, o que só comprova a teoria de que nunca se deve contar com o ovo que está no esfíncter da galinha.
Como um mal nunca vem só, a Mãe Natureza enviou mais uma mensagem aos humanos, esta espécie que nunca aprende com os erros do passado, nem na guerra nem na paz, e desfez o areal da Praia do Forte Novo em Quarteira e outras adjacentes pelo lado leste, além de espatifar o belo passadiço que ali tinha sido recentemente construído.
Desde há muito que os antigos sabem que o mar gosta de galgar por ali, todos os anos abocanhando mais um bocado da arriba, já no século passado engolira a fortaleza que dava o nome à praia. Mas isso não impediu que a frente com paisagem para o mar fosse alargada para mais construção, onde consta que há modernos apartamentos a vender-se a preços que entram pelos sete dígitos. O transporte de areias no sentido poente nascente, entre os Olhos de Água e o Cabo de Santa Maria em Faro começou por ser interrompido pela Marina de Vilamoura. Posteriormente, o Porto de Pesca de Quarteira e a Marina de Albufeira vieram piorar a situação.
O remédio é bombar periodicamente quantidades monumentais de areia para encher as zonas de rebentação à conta do orçamento do Estado e dos fundos comunitários da Europa. Tem que ser feito, faça-se. O que é espantoso é que, nos dias de hoje, à luz das evidências e das previsões de subida do nível médio das águas do mar, se continuem a licenciar novos empreendimentos mesmo à sua beirinha.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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