Sucessivos ciclos de planeamento e programas específicos de investimento, proclamações de objetivos, obras estruturantes e equipamentos sociais, estímulos à economia local e uma mesma conclusão: aumentaram as disparidades territoriais existentes na região do Algarve. Na verdade, já não basta uma política de mitigação de danos. É preciso reconhecer que o que se tem feito é mesmo insuficiente para suster a trajetória de perda dos territórios de baixa densidade. Mas, acima de tudo, é preciso alterar políticas e tipologia de soluções.
Tomemos a Serra do Caldeirão e o Nordeste Algarvio como ponto de observação. Temos uma das zonas mais degradadas do país, em elevado risco de desertificação. Qualquer iniciativa tem baixa taxa de sucesso. Os rendimentos são muito baixos. A agricultura é praticamente inexistente. Os rebanhos estão em recessão. As áreas agroflorestais estão em regressão. O abandono da terra é muito impressivo. As aldeias envelhecem. As atividades económicas são residuais. Os mercados clássicos não lhes atribuem o devido valor. As políticas públicas, sem sentido do futuro, pouco mais.
Não basta ouvir, é preciso envolver. É preciso trabalhar com agentes territoriais e populações
Mudar a visão. É preciso reconhecer que a Serra Algarvia constitui a grande infraestrutura verde da região. Sem esta infraestrutura a qualidade de vida e todas as atividades económicas se ressentirão, do interior ao litoral. Com a degradação do capital natural e dos serviços de ecossistemas (solo, água, biodiversidade, carbono) vem aí um ciclo infernal. Inverter essa tendência e revigorar estes espaços significa assumir a urgência do restauro dos serviços de ecossistemas. E gerar novos mercados e novos produtos a partir de atividades que acrescentem valor. Num novo ciclo de iniciativas baseadas na natureza. Este é um dos temas centrais do Diálogo Estratégico sobre o Futuro da Agricultura na União Europeia, com enquadramento na nova lei europeia sobre Restauro da Natureza.
O Programa Regional do Algarve faz uma boa leitura de necessidades e, além da continuidade do Programa de Apoio ao Desenvolvimento dos Recursos Endógenos (PADRE), avança com a Intervenção Territorial Integrada Água e Ecossistemas de Paisagem (Algarve-Alentejo). Parece dar-se um novo impulso ao capital natural. Mas será que isso basta? Será que esses programas têm elevado nível de adequação aos territórios? Será que a lista de projetos corresponde às reais necessidades coletivas? Será que são indutores de procuras qualificadas pelos potenciais beneficiários? Será que existe energia e recursos financeiros disponíveis para a comparticipação requerida para os projetos? Ou estará tudo, como dantes, condicionado a programas demasiado formatados para continuar a não resultar? Ou, como sempre, excessivamente dependente da interpretação, escolha e capacidade de investimento das autarquias?
Fazer diferente. Dar valor à Serra Algarvia. A produção de serviços de ecossistemas como bens públicos deve ter a adequada remuneração. Deverão, por isso, ser avaliados, mapeados e valorados. E compensados, coletivamente, através de um fundo intermunicipal, que permita transferir recursos do litoral para o interior. Como criar esse fundo? Deve estar indexado a taxas já existentes ou remeter para novos instrumentos fiscais? Como o redistribuir? Não basta mais incentivos. Serão sempre insuficientes. É preciso, mesmo, um novo regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais. E um novo sentido estratégico no investimento público. Para apoiar projetos estruturantes de eficiência coletiva e resiliência territorial de base intermunicipal. E mobilizar movimentos seletivos de investimento privado. É um debate que a região deve fazer. Mas que é extensivo a todo o país. Utopia? Talvez não.
Para se poder ter uma visão partilhada de futuro, aferir a qualidade das políticas públicas e construir projetos de eficiência coletiva e resiliência territorial, é preciso um novo modelo de diálogo institucional. Não basta ouvir, é preciso envolver. É preciso trabalhar com agentes territoriais e populações. É preciso uma Plataforma Colaborativa Permanente para as Áreas de Baixa Densidade. Propostas “fora da caixa”, para dar novo fôlego ao interior do Algarve.
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