“Ao ler a palavra actor, deverá entender-se actor bailarino…
A utilização extra-quotidiana do corpo-mente é aquilo a que se chama técnica”.
In “La canoa de papel – Tratado de Antropologia Teatral” de Eugénio Barba
A história das artes não pode ser compreendida fora dos contextos geoculturais, dos movimentos filosóficos-políticos e religiosos de cada época histórica.
Na diversidade das expressões simbólicas e artísticas, é possível perceber linhas da tradição de origem místico-religiosa e as evoluções que a investigação teatral comparada vai revelando.
As histórias da dança, na sua maioria, utilizam os conceitos e modelos da cultura europeia e norte-americana, contudo em todos os continentes encontramos diferentes expressões de dança como o demonstrou a antropologia teatral.
Na Antiguidade os gregos consideravam a dança uma actividade de origem divina, fazia parte da educação associada ao canto e à música. Praticava-se danças em grupo, círculos que se abriam e fechavam, ao som de coros e instrumentos como a flauta de pã, sinos, conchas, …
Até ao século XX os tabus da cultura judaico-cristã em relação ao corpo feminino, determinou que a dança fosse tolerada para funções de doutrinação religiosa, socialização de grupos, festejos agrários, rituais de passagem e expressões bélicas,…
Em Portugal a dança acompanhou o teatro, do período medieval a Gil Vicente. Em muitos autos deste autor o movimento dançado está presente. No século XVI se as ideias humanistas, a criação artística e ciência evoluíram, logo surgiu a reacção do dogmatismo católico e a Inquisição que atiraram o País para a autocensura e atraso social. Os textos passaram a ser escritos por padres, as tragicomédias, “danças de negros” de intenção missionária, espectáculos religiosos…
No século XVIII, com o iluminismo, deu-se a “italianização” estimulada por D. João V, com a introdução da ópera, fusão de várias artes, declamação, música, canto, dança, cenografia… Em 1755 no ambiente das “luzes” foi inaugurada em Lisboa a “Ópera do Tejo”, espaço com palco gigante e grandes máquinas de cena, destruída pelo terramoto de 1 de Novembro.
O bailado romântico desenvolvia-se e circulava nas cidades europeias, contudo persistiam tabus relativos à presença da bailarina usando a técnica das “pontas”.
O Teatro São Carlos, de concepção neoclássica, foi inaugurado em 1793, construído para a ópera. Teve papel decisivo na recepção e divulgação do canto lírico internacional, de orquestras e companhias de dança itinerantes. O coreógrafo francês Saint-Leon, viveu em Lisboa entre 1854 e 1856, criou para o S. Carlos a peça “Saltarello” que se tornou um enorme sucesso, permitindo abrir o País ao conhecimento da dança artística com surgimento de intérpretes portugueses.
Em 1917 os “Ballets Russes” foram recebidos com entusiamo em Lisboa após a passagem por Paris, provocaram grande interesse pela dança, já divulgada pelos modernistas “parisienses” José Pacheco e Amadeu Souza Cardoso. Almada Negreiros que, para além de pintor, escritor e cenógrafo foi bailarino, influenciado por Diaghilev concebeu o bailado “O sonho da rosa”.
António Ferro, Secretário da Propaganda Nacional, influenciado pelos “Ballets Russes” e percebendo as lacunas culturais da elite salazarista, foi mentor da “política de espírito” do Estado Novo. Ferro criou os “Bailados Verde Gaio” para o folclore, Margarida Abreu (1915-2006) dinamizou a dança clássica como professora no Conservatório Nacional e em 1945 fundou o “Círculo de Iniciação Corográfica”.
Em 1965 a Fundação Calouste Gulbenkian criou o “Grupo Gulbenkian de Bailado”, a primeira companhia de dança profissional em Portugal, com repertórios de autoria dos coreógrafos, o jugoslavo Sparemblek, Águeda Sena, Trincheiras, Armando Jorge, António Rodrigues,…
A Companhia Nacional de Bailado (CNB), antiga reivindicação da dança, surge em 1977, com preocupações de democratização e educativas, Armando Jorge foi o primeiro director artístico.
Como alternativa às concepções da dança clássica, Elisa Worm e Paula Massano do “Dança Grupo” apresentam em 1981 a coreografia cubista “Na palma da mão a Lâmpada de Guernika”, considerada a primeira obra da Nova Dança Portuguesa.
A dança é a área mais frágil das artes performativas portuguesas, dependente do Estado e das autarquias, escassamente apoiada pelo mecenato. Nas últimas décadas surgiram pequenas estruturas que logo desaparecem com as crises e a ausência de uma política cultural consistente.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
Lwia também: Teatro Português: os dois penedos e a floresta por descobrir | Por Jorge Queiroz