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Sociólogo e membro da Direção da AGECAL
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“O não-lugar é o contrário da utopia: existe e não alberga sociedade orgânica alguma. De dia para dia, acolhe cada vez mais pessoas… O espaço do não-lugar não cria nem identidade singular, nem relação, mas solidão e semelhança”.
Marc Augé, Antropólogo francês
As identidades são construções/ reconstruções culturais determinadas por necessidades, conjunturas, influências, ideias e valores que as comunidades utilizam, modificam ou preservam.
Estas expressões culturais reconfiguradas são determinantes nos comportamentos sociais e individuais a que chamamos Cultura. É o caso do Natal.
Os rituais pagãos, há mais de dois mil anos cristianizados, seguiam os movimentos astrais, os ciclos naturais, agrários e sociais, estão na origem das festividades existentes por quase todo o mundo, extraordinária riqueza cultural.
O hemisfério norte assumiu nos últimos séculos supremacia económica e acabou por tentar definir comportamentos culturais “globais” relacionando-os com o mercado. Estes valores são fundamentais, dado que, usando simbologias da cultura herdada, promovem produtos, alterando as formas originais e conteúdos do relacionamento.
As tradições e festividades foram e continuam a ser mercantilizadas. O próprio gosto é construído através dos media e da publicidade, as “indústrias culturais” e de lazer favorecem a adopção massiva de determinadas preferências e excluem a diversidade de culturas.
O Natal representa actualmente o pico anual de vendas, as estatísticas mostram que em 2017 representou em Portugal 50% do consumo total anual no ramo alimentar.
Com quase mil anos de existência autónoma, ruralizado até há poucas décadas, Portugal guarda ainda tesouros das expressões natalícias ancestrais.
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Desde logo os principais símbolos, o fogo, o presépio e a árvore.
Para os romanos o Natal era o dia do sol e acendiam fogueiras, as “saturninas” ocorriam entre 17 e 23 de Dezembro. A luz e o fogo estiveram durante muitos séculos nas aldeias portuguesas representados pelo madeiro comunitário, que ardia na véspera de Natal no adro da Igreja até ao Dia de Reis. O galo, ave ligada ao nascer do sol, deu origem à designação “missa do galo” e à ceia subsequente, a Consoada, que se relaciona com o culto dos ausentes.
Foi no século passado substituído pelos enfeites industriais eletrificados, colocados nas praças e ruas das cidades e pelo fogo-de-artifício da passagem do ano. A descoberta da electricidade e o argumento ecológico acabaram por se tornar aliados desta transformação, evitando o corte de milhares de árvores, mas padronizando comportamentos e introduzindo outras formas de desperdício.
O presépio, simbolicamente o nascimento do Messias na nova religião, foi atribuído a iniciativa em 1223 de São Francisco de Assis em Itália. Muito divulgado pelos franciscanos proliferou durante a Idade Média acompanhado pelos autos de Natal, teatralização popular da Natividade com intervenção de “presépios vivos”.
Tem vindo a perder importância nas simbologias natalícias. No Algarve, os Bombeiros de Tavira e a autarquia de Vila Real de Santo António são bons exemplos de preservação deste património.
No Algarve, como no resto do País, sobrevivem várias tradições populares como a do “altarinho” de Natal com “searinhas”, muito ligadas à actividade agrícola e aos votos de boas sementeiras e colheitas no Ano Novo. Armar o Deus-Menino num “trono”, dias antes do Natal, com a germinação das sementes, cercando-o de searinhas, frutos secos, alfarroba, laranjas,…
A árvore de Natal como tradição natalícia tem origem no Norte da Europa, por razões climáticas e o tipo de floresta de abetos. O formato triangular da árvore remete para a Santíssima Trindade. Em Portugal foi introduzida em meados do séc. XIX por D. Fernando II, de nacionalidade alemã, esposo da rainha de Portugal D.Maria II.
São Nicolau ou o Pai Natal, promovido pelos países industrializados da Europa do Norte e Estados Unidos da América, foi um bispo de Mirna na Turquia que gostava de ofertar os bens herdados a crianças e adultos. Para os americanos vive no Polo Norte e para os ingleses na Lapónia. É o principal “promotor de vendas” nesta época do ano…
Sobre a gastronomia algarvia de Natal há um universo fantástico de saborosas atracções: pastéis de batata- doce, papas mouras, carnes de porco e aves, doçaria de figos, amêndoas e ovos,…
Estudar, reabilitar e promover os valores genuínos das culturas natalícias portuguesas é uma atitude humanista, necessária e benéfica para o País.
Como é tradição positiva e esperançosa, desejamos a todos um Bom Natal e Feliz 2019!
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Dezembro)