E QUE TAL PARAR 15 MINUTOS PARA PENSAR?
O tema é grandioso demais para caber numa crónica de meia página de jornal. Dá para mil teses de doutoramento, para longas horas de debate no circuito interno dos especialistas em urbanismo, acessibilidades, ciência social e, inevitavelmente, por gente da política. Cá por baixo, o povinho que arcará com os efeitos do que se anda preparando por aí nas suas costas, sem escrutínio, sem consulta nem compromisso eleitoral, pouco terá a dizer. Quando acordar, se acordar, o facto estará consumado. Do que se fala aqui? Das chamadas “Cidades 15 minutos”. Para quem acredita nas virtualidades de uma sociedade democrática, respeitadora da vontade popular expressa nas urnas, o pior que pode acontecer a uma boa ideia ou justa causa é deixar-se levar na onda do radicalismo.
O conceito da Cidade 15 Minutos (C15 para simplificar), onde se pode trabalhar, comerciar, entreter e ir à escola a pouca distância de casa (15 minutos a pé ou de bicicleta) é, à primeira vista, uma ideia simpática e com sentido, face ao caos urbano que se tem instalado e às suas nefastas consequências sobre o meio ambiente. Carlos Moreno, colombiano, urbanista brilhante e professor na Sorbonne, foi o seu criador em 2016. Porém, passado o deslumbramento da novidade, há que parar e reflectir sobre aquilo que pode impactar na nossa vida, e nos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Criem áreas de expansão urbana, de baixa densidade e volumetria, colocando a qualidade de vida de quem lá vai morar ou trabalhar como foco prioritário. Faro não é Paris, nem Bacalhau é Anne Hidalgo
Os propósitos da C15 até podem ser louváveis. Para quem gosta e para quem pode, é óptimo caminhar ou dar ao pedal, descontados os desconfortos do calor, do frio, da chuva, quiçá dos declives acentuados dos percursos. Porém, levados ao extremo que as novas tecnologias consentem, os limites severos à circulação automóvel podem conduzir a um controle absurdo da liberdade e à invasão da privacidade individual. Uma parafernália de câmaras vídeo às entradas e saídas da C15, portões virtuais, regulamentos restricionistas e multas para infractores, prometem tornar a vida de cada qual um inferno. Uma C15 não chega a ser verdadeiramente uma cidade. É um enclave circular, uma subdivisão urbana, será pior do que isso, se se transformar num ghetto. As grandes cidades já os têm, os bairros e a sua estratificação social. A diferença reside na conexão que entre eles existe, sem barreiras físicas ou virtuais, o que permite a interacção de pessoas, ricos e pobres, negros e brancos, jovens e idosos.
As C15 podem tornar-se becos sem saída para as crianças, têm tudo ali à mão na sua existência controlada dos dias de hoje, mas a maioria dos adultos trabalha fora do raio de acção dos 15 minutos. Por muito que o teletrabalho progrida, a mobilidade será sempre necessária. Os riscos de uma escalada neste controleirismo sobre os cidadãos, são reais. Passar do simples enxotar dos automóveis para o estabelecimento de limites e proibições ao consumo de cada qual, vai um passo. Leia-se o relatório “The Future of Urban Consumption in a 1.5ºC World”. Tem tanto de fantástico como de aterrador. Elaborado pela Universidade de Leeds para o C40 Cities (rede de mais de 90 megacidades no mundo comprometidas com o combate às alterações climáticas) e a ARUP (organização para o desenvolvimento sustentável), e só a título de exemplo, ali se preconizam como objectivos “progressivos” de consumo já em 2030: 44g de carne/dia/pessoa, oito peças novas de roupa/pessoa/ano, 190 veículos por 1.000 habitantes, uma viagem de avião (1.500 Kms/pessoa/cada 2 anos). Se a opção recair nos objectivos “ambiciosos” para o mesmo ano de 2030, os números encolhem ainda mais: ZERO carne, 3 peças novas de roupa/ano, ZERO veículos privados, a mesma viagem de avião, mas a cada 3 anos. Ufff!!! Se esta gente chegar a mandar, o futuro é negro. Há aqui uma agenda que não é só ambiental. É económica, cultural, ideológica, logo política. Tem de ser discutida e sufragada.
Como se vê, se para combater as alterações climáticas o tráfego aéreo for reduzido ao mínimo, é melhor os algarvios mudarem de vida. Adeus, Turismo. O Algarve não tem megacidades, pode criar algumas C15, mas não precisa de chegar a extremos proibicionistas de tráfego automóvel. O que podem fazer as autarquias? Parem já de aumentar a densidade populacional dos núcleos centrais das vilas e cidades, em vez de continuar a licenciar a construção de edifícios com alturas que só contribuem para agravar os problemas da mobilidade, como se nada se passasse. Criem áreas de expansão urbana, de baixa densidade e volumetria, colocando a qualidade de vida de quem lá vai morar ou trabalhar como foco prioritário. Faro não é Paris, nem Bacalhau é Anne Hidalgo.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia