O pedido foi feito a 14 de dezembro de 2020 e desde o primeiro dia que a questão dos minérios tem gerado polémica no Algarve. A empresa Emisurmin dirigiu um ofício ao então secretário de Estado da Energia a requerer a atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de cobre, chumbo, zinco, ouro, prata e outros minérios numa área de 495 km2, espalhados nos concelhos de Alcoutim e Castro Marim, numa área que foi designada de Ferrarias.
Rapidamente fizeram-se ouvir vozes de discordância, apesar da empresa garantir que vai salvaguardar qualquer impacto negativo dos seus trabalhos. Foram feitas sessões de esclarecimento – uma delas com apenas três pessoas presentes –, foram pedidos pareceres, mas agora, mais de três anos após o pedido, há uma espécie de impasse silencioso.
Se alguns defendem o investimento e a possibilidade de dinamizar a região e o comércio local, outros defendem que aquele território permaneça intocável no que diz respeito à extração de minérios. E apontam as razões. “A paisagem do nordeste algarvio é muito simples, mas muito rica no que diz respeito à flora e fauna. Existe silêncio, existe todo um lado estético da paisagem, uma flora com aromas curiosos. A introdução de elementos estranhos de caráter industrial a esburacar e a escavacar a serra empobrece-a do ponto de vista paisagístico e ambiental”, conta ao Postal do Algarve Macário Correia.
O ex-secretário de Estado do Ambiente no governo de Cavaco Silva, em 1987, ex-autarca, e atual presidente da Associação de Beneficiários do Plano de Rega do Sotavento Algarvio, destaca ainda um outro ponto vital no desenvolvimento económico da região, e que tem sido amplamente discutido nos últimos tempos, devido à seca. “O mais certo é que esta atividade afete a qualidade da água, contaminando águas usadas para consumo urbano, mas também a usada na agricultura de espécies comestíveis em fresco. E alterar os parâmetros da qualidade da água não é nada bom, pois pode ter um impacto na saúde pública e complica a exportação de legumes e fruta”.
Para Macário Correia, existem muitas outras maneiras de dinamizar dois dos concelhos mais ‘virgens’ do Algarve. “A mineração até pode criar alguns postos de trabalho, mas existem outras formas de explorar o desenvolvimento da zona, seja através da florestação, da organização de visitas turísticas, produção de mel, medronho, aromáticas, e não necessariamente com minas que provocam autênticas chagas na paisagem”.
“Vai afetar aqueles que lá vivem”
Apesar da empresa que concorre à exploração desta enorme ‘fatia’ do Algarve garantir que tudo fará para não afetar a paisagem e os recursos naturais, Macário Correia teme que isso não passe apenas de uma promessa. “Por muito que haja medidas de mitigação, a chaga na paisagem fica lá para sempre. São chagas que vão perdurar no tempo”.
O antigo político espera que o projeto não avance. “Os pareceres dos impactos muitas vezes são pedidos pelas próprias empresas. Não tenho grande confiança nos pareceres que dizem que aquilo não afeta nada nem ninguém. Não tenho dúvidas que aquilo vai afetar aqueles que lá vivem”.
População, movimentos cívicos, tecido empresarial e até a empresa Emisurmin aguardam agora pela resposta definitiva das entidades governamentais quanto à prospeção, ou não, daquela zona. Seja quem ganhe esta ‘guerra’, a polémica está instalada.
Sessão de esclarecimento com três pessoas
O Mosana (Movimento de Salvaguarda do Nordeste Algarvio) tem sido uma das forças que mais tem contestado esta proposta da empresa Emisurmin. Anabela Resende, que integra o Mosana em representação da Associação de Valorização do Salgado de Castro Marim, contou ao Postal do Algarve que esteve sempre a par de todo este processo, e que houve muitas coisas que viu e ouviu de que não gostou.
“Esta empresa tem uma conversa muito otimista. Houve uma reunião em Alcoutim, em que um vereador perguntou ao representante da empresa o que iria acontecer com a paisagem, e ele disse que não ia haver qualquer problema, que a mineração ia ser em galerias e não ao ar livre. E que à medida que fossem minerando, iam colocar os detritos dentro das galerias. É tudo muito bonito, é sempre a mesma conversa”, contou Anabela Resende ao Postal do Algarve, que ficou desagradada com a forma como pretenderam informar os cidadãos. “Houve uma sessão de esclarecimento em Martim Longo em que foram três pessoas, e eu era uma delas. Foi uma sessão vergonhosa para a empresa e para o Município de Alcoutim. Não é com um edital afixado que se convocam as pessoas”.
Cenário bem diferente encontrou a empresa quando se dirigiu até Castro Marim para se reunir com a população. “Por essa altura já nós tínhamos informado as pessoas do que estava em causa. Ninguém sabia de nada. As pessoas ficaram alarmadas e indignadas quando souberam que podiam ser expropriadas das suas terras caso não chegassem a um entendimento”, conta. “Mas as pessoas disseram que a mineração não era bem-vinda e que não iam recuar. Não foi a empresa que esclareceu a população do que ia acontecer, a população é que esclareceu a empresa que não queria o projeto”.
Carta aberta da Mosana alerta para vários problemas
Em julho passado, o Mosana (Movimento de Salvaguarda do Nordeste Algarvio) endereçou uma carta aberta ao primeiro-ministro, ao ministro do Ambiente e da Ação Climática e à Direção Geral de Energia e Geologia para “expressar a profunda preocupação com o projeto de prospeção/exploração mineira na área de Ferrarias”.
Na carta aberta o Mosana escreve: “Diversas entidades públicas como a Câmara Municipal de Alcoutim, a CCDR Algarve e a APA/ARH Algarve analisaram o projeto e identificaram condicionantes significativas, como a sobreposição com zonas urbanas, sítios arqueológicos, áreas de valor cultural e natural, albufeiras, zonas florestais, áreas classificadas e áreas urbanas. Essas entidades alertaram para os previsíveis prejuízos na qualidade de vida dos habitantes locais, interferência no turismo, interferência com atividades agrícolas e florestais, bem como riscos de contaminação da água”.
No mesmo documento, o Mosana alerta para a necessidade de se protegerem as fontes de água, nomeadamente a bacia hidrográfica da albufeira de Odeleite, principal origem da água na zona do Sotavento, bem como a bacia da ribeira da Foupana. Refere ainda a potencial “poluição atmosférica, acumulação de resíduos sólidos e a contaminação por metais e as drenagens ácidas”.
Perante tudo isto, o movimento finaliza a carta aberta pedindo que, face aos potenciais danos ambientais, sociais e económicos “este projeto de mineração seja rejeitado”. “O desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente, a saúde pública e os anseios das populações devem ser prioridades para garantir um futuro saudável para as gerações presentes e futuras”.
“A água é vida e temos de protegê-la”
Uma das muitas atividades que dá fama ao Algarve é a produção de sal marinho e flor de sal. Atividade com séculos de existência, a extração de sal depende, naturalmente, da água. E no Algarve, nos últimos tempos, tem escasseado.
“Como produtores de sal dependemos da água do rio Guadiana, e a qualidade da água é imprescindível. O nosso sal é afamado pelo mundo inteiro. É um dos rios menos poluídos da Europa e assim queremos que se mantenha. É um valor acrescentado e esta é uma das atividades mais importantes de Castro Marim”.
Tal como muitos outros empresários, Luís Horta Correia torce o nariz à exploração de minérios no Algarve. “Se eles precisam de água para a exploração, para recolher os minérios, como é possível que não alterem o equilíbrio da água e que esta vá para o solo? No outro lado da fronteira, na zona de Huelva, há exploração de minérios e eles têm um rio muito poluído”, conta este produtor de sal e também presidente da Cooperativa Terras de Sal, em Castro Marim. “A água é vida e temos de protegê-la”.
A população teme que as águas do Guadiana e também das barragens de Odeleite e Beliche venham a ser contaminadas com esta atividade, mas Luís Horta Correia diz que têm contado com o apoio da autarquia.
“Este processo não transmite grande confiança, tudo foi feito à pressa. O Estado não pode dar a concessão de exploração de uma zona sem se saber o que lá está. Isso é ridículo. Somos muito dóceis e brandos a defender o que é nosso. E quanto é que aquilo vale? E se valer milhões? Os milhões vão lá para fora?”, questiona o empresário, deixando uma sugestão. “Portugal não dá a importância devida ao ambiente e o nosso Governo devia ter uma abordagem estratégica. O ambiente só traz valor ao nosso país”.
Empresa garante “boas práticas ambientais”
A Emisurmin, empresa que apresenta este projeto de mineração na área designada por Ferrarias, defende que tudo fará para minimizar quaisquer danos na região, alegando que tem uma “política de segurança, higiene no trabalho e proteção ambiental” e que aplica “boas práticas ambientais no desenvolvimento dos seus projetos de prospeção”.
No documento que apresenta o projeto, a empresa diz que de início existe logo um investimento mínimo de um milhão de euros, apresentando quatro planos diferentes. O primeiro diz respeito à reposição da área a ser minerada. “A responsabilidade social da Matsa (empresa mãe que detém e Emisurmin) tem por objetivo comprometê-la com o meio ambiente, projetando e implementando programas que gerem valor e bem-estar na sociedade, mas acima de tudo, para as comunidades próximas aos projetos, desenvolvendo a sua atividade de uma maneira que respeita o meio ambiente, é economicamente viável e socialmente justa”.
O segundo plano é o de gestão dos resíduos de prospeção e pesquisa, que caso se venham a verificar que são perigosos, podem ser depositados nos tanques de água das sondagens, que serão selados, ou transportados para aterros industriais ou de materiais perigosos. No terceiro plano é descrita a eficiência hídrica e de proteção dos recursos hídricos potencialmente afetados. Neste plano é dito que só serão usados produtos biodegradáveis na perfuração e que após a conclusão das sondagens os furos são selados.
Por último, a Emisurmin adianta que nos perímetros mínimos de 1 km em redor de aglomerados urbanos, e no caso de realização de sondagens, as sondas estarão protegidas por vedações que limitam a propagação do ruído e que o período de trabalho vai das 08:00 às 23:00, sendo o domingo um dia de descanso. Durante as sondagens será monitorizado o nível de ruído e de poeiras, de modo a que estes se mantenham abaixo dos valores máximos permitidos por lei.
O Postal do Algarve endereçou um email ao departamento de comunicação da empresa, com questões adicionais ao projeto e à maneira como este poderá vir a ser executado, mas em tempo útil não recebemos qualquer resposta.
Feedback negativo durante a consulta pública
Em 2022, e durante pouco mais de um mês, teve lugar o período de consulta pública do projeto, e o feedback pende quase na sua totalidade na direção da inviabilização do mesmo. E a maioria das questões que são levantadas prende-se com os possíveis efeitos nefastos no ambiente.
No portal Participa foram recebidas 61 críticas e apenas uma era favorável ao projeto da Emisurmin, realçando que a exploração de minério no concelho de Alcoutim poderia ajudar no desenvolvimento daquela região. Contudo, 57 participações chumbaram a prospeção e extração de quaisquer minérios.
Castro Marim e Alcoutim com posições opostas
As intenções da empresa Emisurmin incidem sobre uma área de 495 km2 nas freguesias de Odeleite e Azinhal (concelho de Castro Marim) e ainda Vaqueiros, Alcoutim e Pereiro e Martim Longo (Alcoutim). Essa área é o habitat natural do protegido lince ibérico e é atravessado por alguns cursos de água e aquíferos.
Curiosamente, os responsáveis autárquicos dos dois concelhos receberam esta pretensão da empresa de forma bem diferente. O socialista Osvaldo Gonçalves, presidente da Câmara de Alcoutim, mostrou-se a favor da prospeção. “Se tivermos medo de descobrir o que existe lá em baixo, então estamos a ser objetores do possível desenvolvimento do território”, disse o autarca em maio de 2022, após o fim do período de consulta pública. Já a vice-presidente de Castro Marim, Filomena Sintra, realçava o facto de não serem dadas quaisquer garantias de proteção ambiental.
“Esta não é bala de prata que vai resolver os problemas da região”
Segundo a Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve (Almargem), a exploração das Ferrarias atinge zonas protegidas por lei, devido aos “valores ecológicos, paisagísticos e naturais”, bem como zonas classificadas como Reserva Ecológica Nacional.
A associação aponta inúmeros fatores negativos com a prospeção e extração de minério no nordeste algarvio, nomeadamente a alteração da paisagem, a alteração nas massas de água, mudanças sociais na demografia, nos estilos de vida das pessoas, nos empregos, e até acentuar problemas de despovoamento, desflorestação e desertificação.
“Com o argumento de criar mais emprego e trazer mais investimento para a região, estamos a autorizar projetos sobredimensionados e que vão deixar uma elevada fatura para as gerações vindouras pagarem. Numa região com falta de mão de obra, de respostas básicas de transporte, abastecimento de água, habitação, esta não é a ‘bala de prata’ para resolver os problemas estruturais de uma região despovoada e desertificada”, justifica a Almargem.
- Por João Tavares
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