O trabalho num museu é maioritariamente invisível, e é esse labor que se desconhece e muitas vezes não se valoriza, mas é daí que surge tudo o resto. As exposições, as publicações, as conferências, a programação, o museu vivo!
Há um mundo de pequenas coisas a salvaguardar, a estudar e a interpretar até se tornarem acessíveis e visíveis. É a partir daí que se dá voz e se torna um museu num lugar que vale a pena visitar.
Hoje escrevo enquanto Delegada Regional da Associação Portuguesa de Museologia.
Função que desempenho desde 2011 e à qual me tenho dedicado com gosto, mas preferia passar o testemunho no final deste mandato.
Tenho estado presente na vida dos Museus do Algarve, colaborando em actividades, participando em reuniões e estimulando as candidaturas aos Prémios da Associação Portuguesa de Museologia (APOM).
O Encontro Transfronteiriço de Profissionais de Museus que começou em Alcoutim em 2012 e depois foi alternando a realização entre Portugal e Espanha, foi dos eventos mais exigentes, mas também mais gratificantes pela cooperação ibérica que se conseguiu.
Nesta actividade foi possível trabalhar de perto com a anterior Delegada Regional da Associação Portuguesa de Museologia, Dália Paulo, entretanto Delegada Regional de Cultura do Algarve.
Tinha feito uma pós-graduação em Museologia, mas foi nestas actividades que trabalhei de perto com museólogas e passei a valorizar ainda mais os museus e as pessoas que neles trabalham. Têm um trabalho de extrema importância na preservação do património, das tradições e da memória.
Breve caracterização museológica do Algarve
Existem oitenta e dois espaços de carácter museológico no Algarve, trinta e sete museus, trinta e nove pólos museológicos e sete colecções visitáveis. Destacam-se as colecções de etnografia, arte sacra e arqueologia e arqueologia industrial, tal como a arte contemporânea. Não há nenhum dos 16 concelhos algarvios que não tenha pelo menos uma unidade museológica.
Conheço estes espaços museológicos e os seus responsáveis e hoje decidi lembrar as pessoas invisíveis que estão por detrás dos Museus.
Nas reuniões da Rede de Museus do Algarve (RMA), um grupo informal de acção e reflexão museológica, onde participo desde 2011, vejo o quanto a RMA privilegia a cooperação e a partilha entre todos os representantes e como programa actividades conjuntas. “Trata-se, portanto, de uma rede horizontal, com características flexíveis que tem como missão dinamizar o património cultural e a actividade museológica da região.” Conforme se pode ler no Guia de Museus do Algarve (2019).
Tenho todos presentes na minha memória, inclusive dois elementos da Rede de Museus do Algarve que já partiram: Luís e Joaquim Guerreiro, ambos do concelho de Loulé.
Desta forma faço uma homenagem a todos os que dedicaram e dedicam a sua vida aos Museus e à Cultura do Algarve.
A museóloga algarvia que conheço há mais tempo é Isabel Soares, aliás, conheço-a desde a juventude, mas só nos voltámos a encontrar, anos mais tarde, graças às reuniões da Rede de Museus do Algarve.
Estive a conversar com Isabel Soares, actual directora do Museu de Portimão, e aqui fica o nosso diálogo:
P – Isabel, o que é que o visitante não sabe, nem vê no Museu?
R – Na verdade existe um outro “lado” do Museu que não se vê, nem se sabe. O que resulta nos trabalhos visíveis nas diferentes áreas são fruto de uma programação anual e que normalmente se traduz nas publicações, nas conferências e nas exposições que dão vida e animam os museus. Contudo, até chegarmos a esta forma de comunicar, as nossas colecções percorrem um longo caminho e que passa por inúmeros técnicos nos diferentes serviços invisíveis para os visitantes.
Às peças damos-lhe uma nova vida e as mesmas, desde que saem do que é o seu contexto original, até chegarem ao museu andam “de mão em mão” até chegarem à sua nova casa. Desde o registo no seu contexto original, passando pelo restauro e a conservação, a inventariação, a investigação, o seu acondicionamento em reserva ou até mesmo na vitrine da exposição, tudo faz parte de uma missão: a de preservar, estudar, expor e interpretar objectos representativos da nossa identidade e da nossa comunidade.
P – O Museu de Portimão tem uma grande proximidade com a comunidade, que relação estabelece o Museu com as vossas “pessoas”?
R – É oportuno mencionar que os museus trabalham junto das comunidades, e com e para as comunidades, trata-se de um processo moroso que envolve uma grande proximidade e conquista.
A confiança e o acreditar que somos capazes de lhes “agarrar” as histórias e que as podemos contar, ou através dos objectos que nos deixam, ou na primeira pessoa, são sem dúvida dos projectos mais aliciantes do museu e ao mesmo tempo os mais desafiantes.
Um técnico do museu é sem dúvida um agente no terreno ao serviço da comunidade e com formação profissional. No entanto, valoriza-se igualmente a sensibilidade social e é enquanto ser humano que estabelece uma relação de proximidade e confiança e que faz toda a diferença no trabalho realizado.
Não é descabido afirmar que o museu, ao longo do trabalho desenvolvido, transforma-se na “casa” de todos os que constroem em conjunto a nossa história.
É quase impossível guardar “tudo” num espaço físico ou até mesmo na nossa memória e ao mesmo tempo uma grande responsabilidade, no entanto tentamos investir num trabalho conjunto e descentralizado que abranja todo o território e várias áreas temáticas.
P – Como tem sido a articulação combinada nas diferentes áreas de trabalho dentro do Museu, entre os técnicos das equipas?
R – Tem sido um trabalho de articulação entre os diferente saberes, o museu é como se fosse uma “Fábrica de Histórias” com uma cadeia operatória, terá que passar pelos vários serviços e uns dependem dos outros.
Para inventariar uma colecção torna-se imprescindível dialogar com a investigação em diferentes áreas e ao mesmo tempo recorrer aos serviços de conservação e ainda criar o diálogo perfeito para comunicar os resultados ao público.
Não nos podemos esquecer que uma das mais-valias é a produção de conhecimento, a sua preservação, valorização e divulgação.
P – Como dar visibilidade a um trabalho invisível?
R – Sensibilizando o público para o que se faz nos bastidores do museu, dentro e fora de portas. Abrindo os espaços técnicos ao público e mostrando o saber-fazer, criando iniciativas abertas nas quais é possível interagir com os técnicos e observar as colecções no contexto de trabalho. Assim, abrindo as portas das reservas para dar a conhecer o outro lado do museu e ainda criando conjuntamente actividades educativas para e com a comunidade.
P – Que tipo de museu é preciso construir nos dias de hoje?
R – É preciso construir um museu para todos e com todos, hoje em dia os museus têm que estar abertos à diversidade e à inclusão, onde devemos tornar acessível, a todos e a todas, a cultura, a arte e o nosso património.
No museu actualmente encontramos um passado longínquo, um passado recente e espaço para um futuro. Os museus têm que ser espaços atractivos e interactivos: Há muito que deixaram de ser sítios onde encontramos “coisas velhas” e “sem vida”.
Hoje, tentamos que os museus, para além de preservarem e exibirem o seu património material e imaterial, também tenham um papel importante na promoção da economia local e regional, que contribuam de forma criativa para a participação das comunidades na discussão e no debate de temas atuais.
Maria Luísa Francisco – Obrigada por esta conversa que nos levou pelo museu fazendo dele um espaço ideal para passar tempo de qualidade. Afinal, o museu ideal será sempre aquele que nos faz sentir em “casa”.
A autora não escreve segundo o acordo ortográfico
* Investigadora na área da Sociologia; Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
[email protected]