FAVELIZAÇÃO
Basta percorrer a Avenida Cento e Vinte Cinco e ver a proliferação explosiva de stands de venda de casas pré-fabricadas, portáteis, de madeira, de alumínio, de betão, seja lá de que material for, contentores habitáveis, bungalows, para perceber que algo de estranho se passa. Por absoluta necessidade de um tecto, por gosto por realidades alternativas, ou por puro oportunismo, clientela não falta. Perante este cenário, as autarquias olham para o lado. Os fiscais ficam subitamente cegos. As denúncias caem em saco roto. Onde, por acaso minoritário, se levanta um auto de infracção às leis, aos regulamentos, aos planos directores, raramente se consuma uma demolição, perpetua-se a ilegalidade, é impopular investir contra os incumpridores que se instalam primeiro e perguntam depois. Perdem-se votos, apoios, amizades, familiaridades e outros géneros de interacção social e políica. No patamar seguinte do conflito, há decisões judiciais para todos os gostos e feitios. Se não houver movimento de terras(1); se não houver ligação a infraestruturas públicas(2); se a casa for amovível(3), fica como está, não se pode mexer. Claro, a electricidade obtém-se, a pretexto agrícola ou com meia dúzia de painéis fotovoltaicos, a água vem por via de furo, e uma fossa séptica resolve o resto.
“As leis não são iguais para todos. Siga a festa, que isso é o que mais importa!”
É a bandalheira, o caos urbanístico em crescendo, casas, casinhas, casonas a surgir como cogumelos nas pradarias e nos montes, onde calha. Já há loteamentos de favela, sem alvará, sem título, sem infraestruturas, sem nada. Perante a inflação sem precedentes dos valores no mercado imobiliário, surgiu pujante esta alternativa ao preço da china. Dos cubículos de quatro metros às moradias com mais de cem, dos 3.000 aos 50.000 euros, é só escolher e mandar colocar. Qual RAN, qual REN, qual Natura 2000! Isso é para quem se dá ao trabalho de apresentar projecto nas câmaras e se agacha perante o chumbo. Para os mais ousados ou sem-vergonha, a melhor técnica é a do facto consumado, o licenciamento é um empecilho. Idálio Revez, um jornalista algarvio de Querença, escreveu no jornal Público em 31 de Maio de 2019 um artigo elucidativo sobre este problema, mas ninguém deve ter lido ou quis saber, e desde então a favelização disparou. O Algarve precisa de milhares de trabalhadores que vêm de fora, mas não têm onde viver, como não têm muitos dos que aqui nasceram e que já cá estão. Política de habitação, se existe, não se nota. E no terreno, as leis não são iguais para todos. Siga a festa, que isso é o que mais importa!…
DOMÍNIOS
Cada vez que um português vai à praia deveria elevar o pensamento a esse rei que foi jovem e culto, Luís I de seu nome, e render-lhe homenagem e gratidão. Por Decreto Real de Sua Alteza, a 31 de Dezembro de 1864, foram tornadas públicas as águas do mar e respectivos leitos e margens, em nome dos superiores interesses do País. Assim se gerou o chamado Domínio Público Marítimo. Gesto raro e de largo alcance, de que todos beneficiamos até aos dias de hoje. Assim não fosse, e tudo estaria vedado ao povo em geral, numa sucessão de condomínios fechados e interesses vários, barrando o acesso à frente de mar. Aquela faixazinha de território de cerca de 50 metros, a contar da linha média da baixa-mar é um bem público precioso, de que nunca se deveria prescindir em circunstância alguma, seja a que pretexto for. Mas se alguém pensa que a cobiça de alguns interesses particulares esmoreceu, tire daí o pensamento. Está viva, e conta com a conivência de alguns titulares de cargos públicos. A leitura atenta do Boletim da Comissão do Domínio Público Marítimo recomenda-se.
MILIVENTOS
A Região de Turismo do Algarve anunciou mais de 200 eventos do que se pode chamar animação para as massas turísticas e autóctones, só durante o corrente mês de Agosto. A fazer fé na publicação “Guia Algarve” editada por aquela entidade, é um assinalável progresso. Há três anos atrás, em tempo pré-pandémico, o calendário ficava-se pela metade. É natural, e é assim em toda a parte do mundo. Há que dar alegria ao povo e a quem nos visita. Há que dar o pão a ganhar à economia e à cultura. Vai ser uma festa pegada em revisitações medievais, concertos, concertinhos e animadores de rua. Uma fartura de festivais de sardinha, marisco, caracóis e petiscos em geral. No topo, claro, a grandiosa FATACIL e, para rebater em beleza, o inevitável Tony. Curiosamente, sessenta anos depois da descoberta do turismo algarvio, continua-se a discutir como combater a sazonalidade, tema eterno com barba branca. Volta a falar-se do emprego precário, do encerramento da hotelaria e similares depois do pico, da falta de verdadeiros grandes eventos capazes de atrair gente durante a maré-baixa (salve-se a honrosa excepção do Autódromo em Portimão). Neste aspecto, estamos praticamente na estaca zero!
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico