O nosso problema com o ambiente é ambiental, mas é acima de tudo, cultural.
É um problema de base. Nem ecológico nem económico. É cultural na medida em que a cultura dominante é a ocidental onde o materialismo é rei e senhor e o lucro o seu regente.
Cultural não no sentido de cultura a peso – vulgarmente denominada cultura geral – nem no sentido da especialização. Não temos falta de especialistas. Ao contrário: temos demasiados especialistas que, como segundo William Mayo, são pessoas que sabem cada vez mais sobre menos e menos coisas.
O problema dos especialistas é que vêem o parafuso, mas não a porca e menos ainda a engrenagem. E enquanto operarmos sob a égide do mecanicismo e não do holismo, a única coisa que conseguiremos é criar novos problemas para resolver os que já temos. Aqui podemos retirar lições da física quântica e do orientalismo.
O ambiente, tal como todas as áreas da vida, está subjugado à economia. Economia essa, que só reconhece a ética depois do lucro. Assim se explica a propaganda recente sobre a substituição dos combustíveis fósseis por outro tipo de combustíveis. Uma suposta panaceia que viria aligeirar a pegada ecológica, mas que não passa de mais uma peneira a tapar o sol. Mantendo os lucros pornográficos das empresas e cooptando uma preocupação legítima, tornando-a em mais um nicho de mercado.
São conhecidos os efeitos perversos da extracção de minério para as baterias de lítio, o curto tempo de vida das mesmas e as consequências da existência de aterros sem tratamento depois da sua obsolescência. São também conhecidas as manobras de deflorestação para construir ventoinhas eólicas ou painéis solares que nunca chegarão para alimentar os nossos gastos energéticos. O problema reside precisamente nos nossos padrões de consumo estupidamente elevados, totalmente insustentáveis e ridiculamente antropocêntricos.
Para além de todo este admirável nicho novo de mercado que é o capitalismo verde – o capitalismo sempre foi verde porque nunca se interessou por nada que não dinheiro, daí o seu figurativo baptismo – existe um outro ponto raramente discutido com seriedade: o modo como o ambientalismo se enquadra na luta de classes.
Embora o grosso da poluição seja gerada a nível corporativo, é no indivíduo que se pretende colocar o ónus da mudança. Isso acontece ao responsabilizá-lo pelo gasto de água quando toma duche ou lava os dentes, como se todos os humanos isolados pudessem reverter políticas ambientais desastrosas de outra forma que não o boicote global ou uma revolução.
Isto quando, só no Algarve, temos cada vez mais abacateiros, laranjais e campos de golfe com um consumo desmedido de água. Tudo silenciado durante o verão, precisamente a época mais problemática, para não perturbar a indústria do turismo. Como se a única coisa que o Algarve, ou todo o país, tivesse para oferecer, fosse ser um gigantesco resort de turismo low-cost all-included.
Há também a culpabilização respeitante à reciclagem – clara herança da mentalidade judaico-cristã que o estado supostamente laico transmite – em que é proscrito aquele que não recicla. Entretanto, as empresas continuam a produzir embalagens desnecessárias que ou não são recicladas ou mesmo quando o são, geram uma emissão de CO2 superior às da produção original. Adquiridas pelo consumidor, que muitas vezes não tem alternativa. Se acrescentarmos a obsolescência programada e a lógica de crescimento eterno do capitalismo, é fácil perceber porque estamos onde estamos.
Um consumismo verde e livre de culpa não está ao alcance da maioria das carteiras e são geralmente os quadros bem pagos que trabalham para empresas altamente poluidoras que têm possibilidade de o fazer, precisamente porque os seus dividendos advêm da exploração dos 99% e da devastação desregrada do planeta.
Não é também surpresa para ninguém que a indústria transformadora e extractora se tenha deslocalizado para países mais pobres, não só pelos (ainda mais) miseráveis salários que consegue pagar, mas também porque há um afrouxamento ainda maior nas polícias ambientais, isto quando existem de todo.
Dentro da ideologia capitalista, não existe qualquer possibilidade de ter políticas sérias de mitigação ambiental dos seus efeitos, porque esse sistema pode existir apenas dentro dum esquema de crescimento de lucro infinito. E esse objectivo está nos antípodas do que é preciso para começar sequer a considerar resolver as urgentes questões ambientais, se ainda formos a tempo.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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