Nos últimos anos, a agricultura no Algarve, especialmente a produção de citrinos, abacates e o uso intensivo de estufas, tem estado no centro de um debate sobre o consumo de água na região.
A afirmação de que “citrinos, abacates e estufas arrebentaram com a água no Algarve e existem dados que provam isso” circula amplamente, mas será que esta afirmação é verdadeira? Uma análise mais detalhada dos dados disponíveis e do contexto regional mostra que esta afirmação não é tão simples e direta como parece.
O verdadeiro consumo de água na agricultura algarvia
O Algarve é uma região conhecida pela sua agricultura e, de facto, a produção de citrinos, como laranjas e limões, e de abacates tem vindo a crescer. No entanto, segundo dados da Associação de Regantes e Beneficiários do Algarve (ARBA), a utilização de água por estas culturas está longe de ser a principal responsável pelos problemas de escassez de água na região.
A maior parte do consumo de água agrícola no Algarve provém de sistemas de rega controlada e de tecnologias que permitem uma utilização mais eficiente dos recursos hídricos, como a rega gota-a-gota, que tem sido amplamente adotada por produtores de citrinos e abacates.
Um estudo realizado pela Universidade do Algarve, em parceria com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), revela que a agricultura consome cerca de 60% da água disponível na região, mas a maior parte dessa água é utilizada em culturas tradicionais de sequeiro e hortícolas, e não exclusivamente em citrinos e abacates. Além disso, o consumo de água para estas culturas específicas é altamente dependente de fatores sazonais, como o clima, e está em constante monitorização.
A realidade das estufas
O uso de estufas tem vindo a crescer na região, especialmente para a produção de frutos vermelhos e hortícolas. No entanto, é importante sublinhar que as estufas, ao contrário do que se pensa, podem contribuir para uma gestão mais eficiente da água. Estas estrutu-
ras permitem um maior controlo sobre a humidade, a evaporação e o uso de recursos hídricos, reduzindo o desperdício. Dados da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve (DRAP Algarve) indicam que a agricultura em estufas, quando gerida corretamente, consome menos água do que os sistemas de cultivo ao ar livre.
Secas e alterações climáticas: os verdadeiros vilões
É fundamental não confundir o impacto das práticas agrícolas com o impacto das alterações climáticas e a ocorrência cada vez mais frequente de períodos de seca. O Algarve enfrenta desafios estruturais graves no que diz respeito à gestão de recursos hídricos, mas grande parte destes problemas está associada a fenómenos de ordem climática, como a falta de chuvas regulares e a diminuição das reservas de água subterrâneas e superficiais.
Os dados da APA mostram que as barragens no Algarve, essenciais para o fornecimento de água à agricultura e às populações, têm registado níveis historicamente baixos, mas tal deve-se sobretudo à escassez de precipitação, e não exclusivamente ao uso agrícola. De facto, a região do Algarve é uma das mais vulneráveis às mudanças climáticas em Portugal, e o problema do consumo de água é muito mais complexo do que simplesmente apontar o dedo à agricultura.
Tecnologia e sustentabilidade: o caminho para o futuro
Para além disso, o setor agrícola na região tem dado passos importantes para minimizar o impacto sobre os recursos hídricos. Muitos agricultores adotaram práticas mais sustentáveis, como a utilização de sensores de humidade no solo para otimizar a rega e a plantação de culturas menos exigentes em água. Existem também projetos em curso para promover a reutilização de águas residuais tratadas na rega, o que pode ajudar a aliviar a pressão sobre as reservas de água potável.
Conclusão: um mito desfeito
A afirmação de que “citrinos, abacates e estufas arrebentaram com a água no Algarve” ignora a complexidade da situação hídrica da região. Embora a agricultura consuma uma parte significativa da água disponível, as soluções tecnológicas e práticas mais eficientes, como a rega gota-a-gota e o cultivo em estufas, estão a mitigar o impacto.
O verdadeiro desafio está na gestão global dos recursos hídricos e no combate aos efeitos das alterações climáticas, que têm tornado o Algarve mais vulnerável à seca.
Os dados mostram que, em vez de responsabilizar apenas a agricultura, é necessário um esforço coletivo — envolvendo o governo, agricultores e consumidores — para garantir um uso sustentável da água no Algarve. A verdadeira solução passa pela inovação, eficiência e uma gestão equilibrada entre o desenvolvimento económico e a preservação dos recursos naturais.
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