BURROCRACIAS
A queixa mais recorrente que se ouve aos cidadãos do Algarve relativamente ao funcionamento de algumas autarquias, sobretudo de maior dimensão, prende-se com a excessiva lentidão dos serviços técnico-administrativos relacionados com o licenciamento de obras particulares, a emissão de alvarás de loteamento, a obtenção de licenças de habitabilidade, propriedades horizontais e muitos mais eteceteras. É uma burocracia asfixiante, que tolhe a iniciativa privada, emperra o desenvolvimento económico, favorece esquemas de corrupção endémica e subterrânea, discrimina entre os favoritos do poder e os que não têm laços de família, nem políticos, nem de amizade, nem de interesses cruzados com quem tem a varinha mágica da assinatura.
É importante ressalvar que a esmagadora maioria dos autarcas serve de forma abnegada e honesta, isentos de suspeição. Mas muitas vezes paga o justo pelo pecador nesta onda populista que lança o anátema em geral de que todos os políticos são iguais. Mas então, se aqueles serviços não funcionam de forma clara, transparente e eficiente, o que sobra como explicação, tantos anos depois com tanta autonomia financeira e decisória? Sobra a incapacidade para colocar as máquinas camarárias a funcionar como um relógio suíço, no que toca ao seu negócio principal, “core business” para financeiros, ou seja, coordenar o desenvolvimento urbanístico de onde brotam lautas receitas fiscais resultantes da taxação sobre o património privado edificado, para mais dopado pela actual explosão de preços do mercado imobiliário.
“A rapidez das respostas aos fregueses tem que estar à altura do século XXI. Já não é só o império da burocracia. É burrocracia em estado puro!“
De acordo com os estudos da Pordata, sustentados nos dados do INE, da Direcção Geral do Orçamento e do Ministério das Finanças, os 16 municípios do Algarve tiveram em 2019 um total de receitas de 579 milhões de euros, das quais praticamente metade foram provenientes da colecta do IMI e do IMT (143 milhões e 141 milhões, respectivamente). Sem contar com as receitas do licenciamento de construções propriamente dito. Uma autêntica galinha dos ovos de ouro, sempre em crescendo. Daí, a irracionalidade desta disfuncionalidade crónica na prestação medíocre que é prestada aos cidadãos e empresas que alimentam os cofres das autarquias. Só em pessoal as Câmaras Municipais do Algarve gastaram 398 euros por cada algarvio nesse ano. Sem contar com as empresas municipais e estruturas adjacentes, que nascem como cogumelos. Sendo os maiores empregadores da Região, é difícil de entender esta situação. Não se pode (nem deve) dizer que sim a tudo, mas a rapidez das respostas aos fregueses tem que estar à altura do século XXI. Já não é só o império da burocracia. É burrocracia em estado puro!
O MONSTRO VOLTOU
Seja no Mercado de Lagos ou na Lota de Olhão, no Intermarché de Aljezur ou no Auchan de Faro, nas estações de combustível, na tasca do lado ou no gourmet da Quinta do Lago, na mercearia, nas feirinhas, nas lojas em geral, nos bancos em particular, o tema é obsessivo, e ocupa todo o espaço de preocupação onde os salários não esticam, as pensões estão hirtas e a carga fiscal não baixa.
A inflação não é fenómeno recente, tem raízes milenares. Andou escondida nas últimas duas décadas atrás da deslocação das forças produtivas para os paraísos da mão-de-obra barata, lá longe no Oriente, ou atrás dos paraísos fiscais onde se foram acumulando riquezas descomunais de origem duvidosa. A inflação era uma bomba-relógio à espera do dia em que as rotativas tivessem que travar ou não a produção de dinheiro, era indiferente, o resultado seria o mesmo, estava escrito e prometido. E é o imposto mais injusto de todos os impostos, porque é cego e brutal na forma como atinge primeiro os mais pobres e desfavorecidos, inevitavelmente a classe média, acentuando as desigualdades sociais. Pode-se invocar a guerra na Ucrânia, o gás dos russos, os efeitos colaterais da pandemia, a desorganização do transporte de carga, o endividamento público e privado, o défice orçamental, a política monetária da União Europeia e da América, o fogo, a seca e o dilúvio. Mas existe esta perceção quase feita certeza de que um ingrediente adicional se junta à caldeirada de justificações para a bolha inflacionária, e chama-se especulação. Oportunismo, se quisermos. Espírito predador entre corpos cambaleantes.
A ganância sem limites. Vai na onda! Tudo aumenta, logo, “aumento também!”. Preso a meio caminho da espiral de salários e preços, sobra a consciência de que o nível de vida está a baixar a cada minuto sabe-se lá até onde, e de que nada voltará a ser como dantes. Cada dia que passa, uma dentada no pão de cada um.
ÚLTIMA PEDALADA
No Algarve dos anos sessenta do século passado, quando ainda havia a Volta a Portugal Inteiro, o ciclismo entusiasmava multidões nas estradas e nas pistas. Dois heróis ficaram para a história do desporto algarvio e nacional, e na memória da geração desse tempo. Jorge Corvo, do Ginásio de Tavira, felizmente ainda vivo como deu recentemente prova nas páginas deste jornal.
Vítor Tenazinha, do Louletano, o homem das fugas de longa distância, de múltiplas vitórias em etapas da Volta e Grandes Prémios, atleta internacional por terras de Espanha, França, Brasil, e que mais tarde representou igualmente o Benfica e o Sporting, partiu por estes dias rumo à meta da eternidade. Era um homem bom, num corpo de força da natureza. Deu a última pedalada acompanhado de uma imensidão de amigos. Na sua terra, Boliqueime, a edilidade encontrará certamente uma rua para perpetuar o seu nome. Tal como em Loulé. “Arranca Tanaza!”
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico