A Assembleia da República aprovou no dia 29 de Novembro o Orçamento do Estado para 2024. Entre a sua primeira versão e aquela que agora obteve os votos favoráveis da bancada do Partido Socialista e a abstenção dos deputados únicos do Livre e do PAN existem 203 alterações.
Sem surpresa, a maioria destas mudanças (59%) foram propostas pelos deputados socialistas, as quais têm um custo associado de cerca de 150 milhões de euros. Aqui, o destaque vai todo para o recuo na cobrança do Imposto Único de Circulação para carros com matrículas emitidas entre 1981 e junho de 2007.
Será que este OE vai mesmo defender o nosso futuro colectivo? Espero que sim mas, na verdade, apenas o tempo o dirá
Em face da contestação popular e atendendo a que vamos ter eleições legislativas em 10 de Março de 2024, o grupo parlamentar do PS decidiu meter na gaveta uma medida considerada essencial por Fernando Medina, algo que vai fazer desaparecer 82 milhões de euros de receita no OE de 2024. No entanto, nem tudo é mau. De facto, o grupo parlamentar do PS conseguiu introduzir um aumento do incentivo à capitalização das empresas, reduziu o IVA dos óleos alimentares para a taxa intermédia e introduziu a gratuitidade dos pequenos-almoços nas escolas para alunos carenciados do pré-escolar e dos ensinos básico e secundário. A maioria aprovou ainda uma subida do limite da dedução em IRS com as rendas das casas, e abriu caminho para que parte dos gastos com explicações ministradas em centros de estudo possa ser deduzida como despesa de educação. Some-se, ainda, a aprovação de medidas como o alargamento dos programas de rastreio oncológico aos cancros do pulmão, da próstata e do estômago, que me parecem críticas para recuperar o muito que se perdeu no País com os efeitos da pandemia Covid19 em matéria de controlo/combate ao flagelo oncológico.
A oposição teve, naturalmente, ganhos meramente marginais. Ainda assim, o PAN consegue assegurar a gratuitidade do passe sub23 aos jovens entre 18 e 23 anos de idade matriculados em cursos do ensino profissional, ao mesmo tempo que garante que o acesso aos sistemas de bicicletas partilhadas passa a estar incluído no passe gratuito de transportes públicos. Já o Livre consegue o alargamento do passe ferroviário nacional aos comboios inter-regionais, urbanos e intercidades.
Importa, também, falar de algumas medidas que não foram aprovadas e que seriam interessantes, nomeadamente para o Algarve. Por exemplo, o PSD não viu aprovada a sua proposta de terminar com a contribuição extraordinária sobre o Alojamento Local, algo a que a nossa região tem de ser particularmente sensível em face do seu padrão de especialização económica. Ao invés, o PS consagrou a criação de mais esta contribuição, a qual discrimina e penaliza um sector de actividade cada vez mais relevante para o Algarve, clarificando, no entanto, que a mesma não se aplica aos Açores e à Madeira. Por outro lado, o PS também não aprovou uma proposta do PSD que visava criar um programa de ajuda do Estado à compra da primeira casa. Este é, também, um tema fundamental para o Algarve, região que enfrenta dificuldades particulares em matéria de acesso à habitação no panorama nacional. Ao mesmo tempo, a maioria socialista confirmou a eliminação do regime fiscal dos residentes não habituais em 2023, algo que também pode trazer consequências de curto e médio-prazo imprevisíveis para a nossa economia regional, cada vez mais dependente de uma comunidade crescente de estrangeiros que (também) nos procuram por questões fiscais.
No final da votação final global do OE para 2024, António Costa afirmou que “os portugueses vão ter em 2024 um OE que prossegue a trajetória de melhoria dos rendimentos, que promove o investimento e que protege o futuro”. Vejo dois problemas com esta afirmação. O primeiro é evidente: a maioria que aprovou o OE para 2024 não será, certamente, a mesma que vai respaldar o governo que terá de o executar. O segundo, mais de pormenor, é que, na minha opinião, este orçamento não promove o investimento. De facto, quase nada do que consta no texto ora aprovado leva a acreditar que o próximo ano seja um de forte investimento (interno ou externo) e, não fosse a execução do PRR, teríamos, seguramente, más notícias nesta matéria. Fica, portanto, uma questão: será que este OE vai mesmo defender o nosso futuro colectivo? Espero que sim mas, na verdade, apenas o tempo o dirá.
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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