A Ilha das Árvores Desaparecidas, publicado pela Editorial Presença, traduzido por Maria de Fátima Carmo, é o mais recente romance de Elif Shafak. Autora turco-britânica multipremiada e aclamada pela crítica, conta já com 19 livros publicados, entre os quais 12 romances.
A Ilha das Árvores Desaparecidas, finalista do Prémio Costa, é um belíssimo romance, de uma estranheza cativante, que agarra logo nas primeiras páginas e nos conta a história de uma família de duas perspetivas. A narrativa na terceira pessoa centra-se na deslocada Ada, cuja mãe faleceu, e que nunca conheceu a ilha de Chipre onde nasceram os seus pais. Alternadamente, acompanhamos a história de Ada, dos pais e de Chipre pela voz de uma figueira, uma Ficus carica, a crescer no jardim da sua casa, e nos revela o mundo secreto e fascinante das árvores e das improváveis ligações que estabelecem entre si e o mundo dos humanos. É a figueira que lança inclusivamente luz sobre alguns dos mistérios apresentados na narrativa.
Quando Kostas, grego e cristão, e Defne, turca e muçulmana, saíram da ilha de Chipre, em 1974, trouxeram consigo um enxerto desta figueira, agora plantada no terreno da sua casa. Na altura, Defne também já transportava consigo Ada, ainda que desconhecesse estar grávida.
Anos depois, agora a viver em Londres, Kostas terá de enterrar a figueira para a proteger de um iminente temporal. É também nesse período que Meryem, a irmã de Defne (nome que ressoa, sugestivamente, a figura mitológica de Dafne), afastada da irmã há anos, decide reatar relações com o cunhado, e a sobrinha que nunca conheceu, fazendo-lhes uma visita. Ada fica incomodada com esta espampanante tia, ainda que se recuse a comprar as vistosas roupas que lhe enchem a mala, que parece só saber falar por provérbios.
A narrativa recua então ao ano de 1974 na ilha de Chipre, outrora conhecida como a “ilha verde”, famosa pelas suas densas florestas, e revela a história de um país dividido, com gregos e cristãos, outrora vizinhos, em lados opostos. Quando o exército turco entra em Varosha, todos os habitantes da cidade, mais de 39 mil pessoas, são obrigadas a fugir. Como se refere no texto, «ninguém se apaixona em plena guerra civil, quando se vive no meio da carnificina e rodeado de ódio por todos os lados» (p. 184), mas é exatamente isso que acontece com Kostas e Defne. Porque «o tempo arbóreo é equivalente ao tempo narrativo» (p. 60), em que uma árvore, tal como uma narrativa, não cresce em linhas direitas, mas curva-se e torce-se e bifurca-se, é pela voz da figueira que se desenterram os segredos de uma terra devastada por milhares de mortes, cujos corpos são abandonados em segredo.
«Uma árvore é uma guardadora de memórias. Emaranhadas sob as nossas raízes e ocultas nos nossos troncos encontram-se as nervuras da História, as ruínas de guerras que ninguém venceu, os ossos dos desaparecidos.» (p. 229)
Os livros de Elif Shafak, muitos deles bestsellers, estão traduzidos em 55 línguas. Doutorada em Ciência Política, deu aulas em várias universidades na Turquia, nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, nomeadamente em Oxford, onde é honorary fellow. É vice-presidente da Royal Society of Literature e foi considerada, pela BBC, uma das mais influentes e inspiradoras mulheres da atualidade. Defensora dos direitos das mulheres, LGBTQ+ e da liberdade de expressão, foi distinguida com a medalha de Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres. Em Portugal, a obra da autora está publicada pela Editorial Presença. Foi recentemente reeditado o livro A bastarda de Istambul.