O economista Luís Serra Coelho considerou esta segunda-feira que a vitória do Chega no Algarve é um voto de protesto que expressa a “frustração” dos eleitores à forma como os sucessivos governos têm tratado a região.
“Parece-me relativamente razoável pensar que as pessoas se mobilizaram para ir votar no Chega, não por convicção, mas simplesmente para mostrarem aquilo que é o seu profundo desagrado com aquilo que tem sido a visão […] que o Governo central tem tido para com o Algarve”, disse à agência Lusa o professor de Finanças na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve (UALg).
O Chega venceu as eleições legislativas de domingo no distrito de Faro, com 27,19% dos votos, e elegeu três dos nove deputados, o mesmo número de mandatos obtidos pelo PS e também pela Aliança Democrática (PSD/CDS/PPM), sendo o primeiro distrito que o partido ganha.
Luís Serra Coelho é da opinião que o mal-estar dos algarvios tem a ver, em primeiro lugar, com “um conjunto de promessas que foram feitas ao longo dos anos por sucessivos governos e que não são cumpridas”, limitando a sua capacidade de “executar aquilo que é o seu desejo, que é de serem felizes e terem uma vida condigna”.
O docente, que é também presidente da delegação do Algarve da Ordem dos Economistas, dá como exemplo a questão da saúde, com a população a ter dificuldades no acesso a cuidados primários e aos sucessivos adiamentos na construção do Hospital Central do Algarve.
“A obra já foi lançada duas ou três vezes e já deu origem a muitas manchetes” de jornais, afirmou Luís Serra Coelho, que recorda as visitas de ministros à região sem que haja ainda “obra no terreno”.
As dificuldades do Governo em cumprir as promessas que fez relativamente à região leva também a que a região tenha “claríssimas dificuldades hídricas”, exemplificou o economista.
“A verdade é que há muitos planos, muitos milhões, mais uma vez, muitas visitas de ministros e outras pessoas importantes e arriscamos em 2024, ou eventualmente em 2025, a não ter água no Algarve para abastecer o ciclo urbano”, sublinhou.
Segundo Luís Serra Coelho, outra razão para o descontentamento dos algarvios tem a ver com a “dinâmica económica” da região, que vive um “paradoxo”.
Sendo uma região que se comporta muito bem do ponto de vista do Produto Interno Bruto (PIB) ‘per capita’ tem, no entanto, uma taxa elevada de privação material e de pobreza, explica Luís Serra Coelho.
Finalmente, o docente referiu outro ponto de descontentamento, “de que ninguém gosta de falar”, que é a questão “do tecido social da região”.
Por um lado, há muitos imigrantes do norte da Europa que têm dinheiro e exercem uma pressão, nomeadamente, para a subida de preços da habitação, que é um dos problemas graves do Algarve.
Por outro, há pessoas que vêm de outros países, nomeadamente, do Brasil, dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), da Ásia e de África, à procura de uma melhor condição de vida.
Para o docente, “sente-se um certo desconforto” nesta matéria, sem que tenha havido uma verdadeira vontade de integrar estas comunidades.
O PS, que tinha conseguido eleger cinco deputados em Faro nas últimas legislativas, passou nas eleições de domingo para segundo lugar, com 25,46% dos votos, perdendo dois deputados para o Chega, que em 2022 tinha elegido um deputado por este círculo eleitoral.
Já o PSD, que nestas eleições concorreu em coligação com o CDS e o PPM, obteve no Algarve 22,39% dos votos, mantendo os três mandatos que tinha conseguido sozinho em 2022.
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