Com a crescente pressão sobre as empresas para premiar os trabalhadores num contexto de inflação e aumento do custo de vida, muitos profissionais poderão deparar-se com uma surpresa ao olhar para a sua fatura de retenção na fonte. Um novo prémio, correspondente a um 15.º mês livre de impostos, poderá fazer disparar os descontos ao Fisco, apesar de, no final, representar uma vantagem líquida no rendimento disponível.
Segundo cálculos divulgados pelo ECO, quem aufere um salário bruto de 2.000 euros, que retém cerca de 41 euros de IRS em setembro e outubro — graças às novas tabelas de retenção temporárias — verá a sua retenção aumentar para 278 euros caso receba um prémio equivalente a outro salário no mesmo mês. Este aumento acentuado, quase seis vezes superior, reflete-se numa subida de 237 euros nos descontos.
Mas porquê esta disparidade? A razão reside no facto de o bónus, apesar de isento de IRS, influenciar a taxa de retenção a ser aplicada sobre o salário regular. A Autoridade Tributária esclarece que “os rendimentos respeitantes a gratificações por via de balanço, isentos de IRS, mas englobáveis para efeitos de determinação da taxa, devem igualmente ser tidos em consideração para efeitos de determinação da taxa de retenção na fonte aplicável aos restantes rendimentos”.
Os cálculos feitos consideram, sobretudo, a realidade de um trabalhador solteiro e sem dependentes. Para quem recebe um ordenado bruto de 2.000 euros, a taxa de retenção em setembro e outubro situa-se nos 40,75 euros. Contudo, se em outubro for pago um bónus de igual valor, o rendimento total mensal sobe para 4.000 euros, o que faz a retenção subir para 278 euros. Ou seja, a pessoa adianta muito mais ao Estado naquele mês, apesar de, no futuro, poder beneficiar de um acerto no momento da liquidação do IRS.
Num cenário de um trabalhador que ganha 1.500 euros brutos, o aumento percentual é ainda mais expressivo. Até agosto, esse trabalhador retinha 203 euros por mês, passando a reter apenas 12 euros em setembro e outubro. No entanto, se houver um prémio adicional em outubro, a retenção dispara para 98 euros, o que representa um aumento de mais de 700% em relação à retenção regular daquele mês.
Curiosamente, para os trabalhadores com rendimentos mais elevados, como aqueles que recebem 10.000 euros por mês, o impacto da retenção adicional é proporcionalmente menor. Neste caso, um bónus de 4.100 euros resulta numa subida de apenas 12% na retenção, o que corresponde a um aumento de cerca de 382 euros nos descontos.
Este bónus, com um limite máximo de 4.100 euros, pode ser atribuído pelas empresas até ao final de 2023, desde que estas tenham aumentado os salários em pelo menos 5% face ao ano anterior. Para os trabalhadores, isto significa um prémio extraordinário no valor do seu salário bruto, livre de tributação imediata. No entanto, apesar de ser isento de IRS no momento da sua atribuição, será considerado no cálculo da taxa final de IRS anual.
Isto quer dizer que, no momento da liquidação do imposto no ano seguinte, este rendimento será incluído para determinar a taxa de IRS aplicável ao total dos rendimentos anuais. Embora possa resultar num imposto adicional a pagar, o facto de, no momento da atribuição, o trabalhador ter retido mais, poderá neutralizar este efeito.
Importa recordar que, entre setembro e outubro, vigoram novas tabelas de retenção, mais favoráveis, como forma de compensar os valores retidos a mais entre janeiro e agosto, quando ainda não estavam refletidas as novas tabelas de IRS para 2023, aprovadas pelo Parlamento. Estas novas tabelas são, portanto, temporárias e aplicam-se apenas a estes dois meses, regressando a taxas mais elevadas em novembro e dezembro, mas ainda abaixo dos valores retidos nos primeiros oito meses do ano.
Por exemplo, um trabalhador que ganhe 1.500 euros brutos, que em outubro terá retido apenas 12 euros, passará a reter cerca de 189 euros nos últimos dois meses do ano, mesmo sem um bónus. Contudo, se a empresa decidir atribuir o prémio de 1.500 euros, a retenção subirá para 351 euros, um aumento de 85%.
Receber um bónus de final de ano poderá, à primeira vista, parecer uma grande vantagem para muitos trabalhadores, especialmente num contexto de crescente pressão financeira. Contudo, é importante estar preparado para o impacto que esse prémio poderá ter nas retenções mensais, que poderão subir substancialmente num único mês. Ainda assim, este aumento na retenção será temporário e, em muitos casos, ajustado no momento da liquidação final de IRS no ano seguinte, proporcionando um alívio financeiro imediato, apesar do impacto temporário nos descontos.
Como sempre, para quem recebe este tipo de prémios, o aconselhamento junto de um contabilista ou especialista em fiscalidade pode ajudar a evitar surpresas desagradáveis e a planear da melhor forma o orçamento familiar.
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