O sector imobiliário inicia o ano embalado pelo recorde de vendas e preços registado em 2021, em grande parte impulsionado pela falta de oferta residencial transversal a todos os segmentos de mercado. Segundo as consultoras JLL e CBRE, terão sido vendidas entre 190 mil e 200 mil casas em 2021, mais 16% que no ano anterior e 10% acima de 2019. Números estimados com base nos dados do INE para os três primeiros trimestres.
Consultores, promotores e mediadores ouvidos pelo Expresso consideram que há boas perspetivas para o sector, com manutenção da pressão em zonas geográficas específicas, mais sujeitas à procura internacional nos segmentos altos. Mas afastam a ideia de uma valorização excessiva e consideram que a tendência será para estabilizar. Se a falta de oferta residencial ainda está longe de ser resolvida, um contexto de aperto das condições de crédito, conjugada com a alta das matérias-primas e da mão de obra, dificulta ainda mais o acesso à habitação. Os atrasos do licenciamento são considerados por todos os analistas um dos principais inimigos da colocação de mais oferta e a preços mais baixos no mercado. Por outro lado, defendem também a necessidade de uma maior aposta por parte do Estado e das autarquias na promoção de soluções de habitação e arrendamento acessível. Todo um desafio quando é preciso lidar com a subida dos preços dos materiais e da mão de obra e o arranque do Plano de Recuperação e Resiliência, além da perspetiva de um aperto no crédito.
Pressão em zonas específicas
“Com a abertura pós-pandemia vai continuar a existir pressão em localizações muito específicas no Porto, Lisboa, Comporta e certas zonas do Algarve. Não temos edificação de oferta que excluam estas pressões”, afirma Paulo Caiado. O presidente da APEMIP (Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal) salienta que das cerca de 200 mil residências vendidas em 2021, 87% eram usadas. Paulo Caiado nota ainda que se assistirá a um reforço da procura, iniciada em 2021, em concelhos rurais próximos das grandes urbes.
“Os preços e as vendas devem estabilizar, com exceção de alguns mercados na área Metropolitana de Lisboa”, diz Ricardo Sousa, administrador da Century 21 Portugal, referindo-se a cidades para onde “migra” quem não consegue comprar casa em Lisboa.
Considera que Almada, Seixal e Barreiro têm ainda espaço para crescer. O mesmo acontecendo em cidades secundárias como Setúbal, Leiria, Braga ou Aveiro (ver texto na página ao lado). Para Ricardo Sousa, este será um ano de estabilização, até porque há a noção de que a inflação não é transitória, o que levou os bancos centrais dos EUA e de Inglaterra a subir os juros, no que deverão ser acompanhados pelo Banco Central Europeu. Mas mais do que o aperto do crédito, Ricardo Sousa salienta que as novas regras na contratação de empréstimo definidas pelo Banco de Portugal (ver pág. 5), “vão tirar muitas das famílias do mercado”. Situação que se poderá agravar com a pressão do Banco de Portugal para aumentar os capitais próprios de 10% para 20% e limitar ainda mais o acesso das famílias portuguesas. “O ritmo de entrada de construção nova — que poderia baixar os preços — vai demorar mais do que o desejado. E a construção usada não ‘roda’”, acrescenta.
Cristina Arouca, diretora de pesquisa da CBRE, salienta que o mercado imobiliário tem ainda muito para crescer. “Portugal esteve 10 anos sem promoção imobiliária”, diz, referindo-se aos dados do INE. Salienta que o aumento de 10% em 2021 nos licenciamentos vai trazer mais casas para o mercado. Na mesma linha, Patrícia Barão, diretora do departamento residencial da JLL, confirma o bom momento do mercado e a falta de oferta transversal. Lembra que a mudança de paradigma trazida pela pandemia acentua a procura de estrangeiros que querem viver em Portugal, o que desequilibra ainda mais a falta de oferta.
Consensual é a expansão da oferta para as zonas menos centrais de Lisboa e do Porto, para concelhos limítrofes das áreas metropolitanas e para a margem sul do Tejo. Em Lisboa e para o segmento médio e médio alto, apontam o eixo Marvila-Beato, a Alta de Lisboa, Loures, Miraflores, Oeiras, entre outros. No Porto, as zonas de Campanhã, Antas, Leça e Gaia são alguns dos exemplos.
Da mesma forma, é também ponto assente a necessidade de criar alternativas para o segmento médio e médio baixo, onde o Estado e as autarquias terão um papel determinante. “Espaço não falta”, diz Paulo Caiado, referindo-se ao património público devoluto.
Mas com os preços dos materiais e da mão de obra em alta, mais os atrasos de licenciamento, é difícil fazer habitação acessível. “Tem de haver medidas políticas mais incisivas e eficazes nesta matéria. E uma efetiva parceria com os privados”, conclui Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII).
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL