O cenário é traçado pela consultora EY e pela associação europeia das empresas elétricas, a Eurelectric: em 2035 a Europa deverá ter a circular nas estradas 130 milhões de carros elétricos, face aos cerca de 3,3 milhões de veículos atuais. O peso dos carros elétricos deverá subir dos atuais 1% do parque automóvel para perto de 50%. Mas será que a rede elétrica aguenta? Um relatório publicado esta terça-feira pela Eurelectric e a EY defende que será necessária uma gestão ativa da oferta e procura para evitar problemas quando a frota elétrica alcançar os 50%.
“A eletrificação é agora uma mega-tendência irreversível no transporte rodoviário. O desafio pela frente é acelerar o desenvolvimento da infraestrutura de forma bem coordenada para responder às crescentes necessidades de carregamento ao mesmo tempo que asseguramos o uso ótimo da rede de eletricidade”, comentou o presidente da Eurelectric, Jean-Bernard Lévy, em comunicado.
O estudo agora divulgado estima que até 2035 serão necessários 65 milhões de pontos de carregamento, dos quais 56 milhões residenciais e 9 milhões públicos. O documento sublinha que a rede de carregamento na Europa apresenta muitas diferenças regionais. Dos pontos hoje existentes, Holanda, França, Itália, Alemanha e Reino Unido concentram 66% da capacidade atual, havendo disparidades regionais e uma tendência para as áreas rurais terem menor cobertura.
O relatório da Eurelectric e EY enfatiza vários entraves ao desenvolvimento da infraestrutura de carregamento, como os atrasos nos licenciamentos, demoras no acesso à rede e falta de interoperabilidade entre diferentes redes de carregamento pela Europa fora.
Consumo de eletricidade dos carros elétricos a crescer 11% ao ano
A crescente penetração de veículos elétricos no parque automóvel deverá aumentar o consumo de energia destes automóveis em 11% ao ano, requerendo em 2030 mais 200 terawatt hora (TWh) face ao consumo atual da mobilidade elétrica.
Os 200 TWh, que correspondem a quatro vezes (sensivelmente) o consumo anual de eletricidade em Portugal, serão já uma fatia com algum relevo no consumo total de eletricidade da Europa, que deve atingir os 3.530 TWh até 2030, com um crescimento médio anual de 1,8%.
A rede, aponta o relatório da Eurelectric e EY, irá dar resposta à crescente procura que virá com a transição para os veículos elétricos. “Mas são as imprevisíveis flutuações na procura, que virão de uma quantidade desconhecida de condutores de veículos elétricos a carregar em simultâneo, que poderá potencialmente destabilizar as operações. O sistema precisará, portanto, de capacidade de produção, armazenamento e transporte suficiente”, pode ler-se no documento.
Mais. Um carregamento sem regras, sem gestão, “pode criar problemas para as redes locais e para a qualidade do serviço de eletricidade”, já que “aumentos rápidos e imprevisíveis no consumo tendem a provocar flutuações na voltagem e perdas de energia”. Isso poderá vir a refletir-se em preços de energia mais altos.
A magnitude deste impacto depende do número de veículos elétricos e das características da rede e dos pontos de carregamento, bem como da existência de baterias, por exemplo. Mas o problema poderá ser mais grave se a mobilidade elétrica se estender aos camiões.
“Numa situação de carregamento sem gestão, quando a penetração de veículos elétricos chegar a 50% numa rede de distribuição urbana, os desvios de voltagem na rede irão ultrapassar os padrões normais”, refere o relatório.
A análise da EY e da Eurelectric indica que o consumo de eletricidade nas horas de ponta (habitualmente ao fim da tarde, início da noite) irá aumentar entre 21% e 90% e o uso dos transformadores também subirá 19% a 80%.
Segundo o relatório, as redes inteligentes ajudarão a mitigar este impacto, pois as soluções de gestão da procura permitirão distribuir os carregamentos não urgentes de veículos elétricos, evitando o uso simultâneo da rede por um número muito elevado de consumidores.
O futuro da mobilidade elétrica em Portugal
A Eurelectric e a EY estimam que em 2035 Holanda, França, Itália, Alemanha, Espanha e Reino Unido representarão 60% do total de pontos de carregamento na Europa. Mas juntando Suécia, Polónia, Portugal e Dinamarca, o Velho Continente terá 10 países que concentrarão, juntos, 70% dos pontos de carregamento.
O relatório agora publicado nada mais diz sobre Portugal. Mas o Relatório de Monitorização de Segurança de Abastecimento do Sistema Elétrico Nacional, publicado pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), aponta mais alguns números.
O cenário conservador desse relatório diz-nos, por exemplo, que em 2030, em termos de ligeiros de passageiros, Portugal deverá ter 551 mil veículos elétricos, que subirão para 973 mil em 2035. Considerando também híbridos e veículos comerciais elétricos, o país deve ter um total de 851 mil viaturas com motorização elétrica em 2030 e 1,6 milhões em 2035.
DGEG quer 2,2 milhões de carros elétricos em 2030
O cenário “ambição” da DGEG coloca a fasquia mais alta, com um total de 2,2 milhões de carros elétricos em 2030 e 3 milhões de automóveis desse tipo (incluindo os híbridos) em 2035.
No cenário conservador a mobilidade elétrica deverá consumir 2,21 TWh de eletricidade em 2030 e 4 TWh em 2035. Isso significará que os carros elétricos irão absorver 4% do consumo de eletricidade do país em 2030 e cerca de 7% cinco anos mais tarde.
No cenário “ambição” o peso da mobilidade elétrica no consumo chegará aos 10% em 2030 e aos 15% em 2035.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL