É mais um dos desafios que se colocam à aplicação da nova lei do teletrabalho. O regime jurídico que entrou em vigor a 1 de janeiro deste ano determina que compete ao empregador compensar o trabalhador pelo acréscimo de custos com o teletrabalho, nomeadamente comunicações, energia e equipamentos. Uma compensação que, define a lei, “é considerada, para efeitos fiscais, custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador”. Advogados e contabilistas dizem que falta regulamentação adicional para determinar como é que isto se operacionaliza e como se enquadram contabilisticamente despesas que não estão em nome da empresa e, muitas vezes, nem no do próprio trabalhador. A confusão, admitem, está instalada a poucos dias do processamento de salários.
“Há uma enorme falta de clareza nesta matéria”, denuncia o advogado Pedro da Quitéria Faria, sócio da Antas da Cunha ECIJA. Os especialistas em Direito Laboral já tinham denunciado, quando foi conhecida a lei, que era preciso, por exemplo, explicar como se calcula o acréscimo de custos que a empresa tem de suportar nos casos em que dois trabalhadores, de empregadores distintos, se encontrem em teletrabalho no mesmo domicílio. “Essa clarificação não veio e, com a entrada em vigor da lei, grande parte das empresas privadas, para não entrar em incumprimento, decidiram negociar com os trabalhadores um valor mensal fixo para compensar as despesas do teletrabalho. O problema é que vão pagá-lo no final deste mês sem saber como e se o poderão enquadrar fiscalmente”, denuncia o advogado.
Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas, confirma: “Há empresas a negociar com os trabalhadores compensações de 30, 40 ou 100 euros mensais, porque não há limites. Se fizermos contas, podemos estar a falar de 1200 euros por ano não sujeitos a tributação, porque a lei diz que estes pagamentos não são, em termos fiscais, rendimento do trabalhador (portanto, estão isentos de tributação) e são custo para o empregador.” E admite que “há muitas dúvidas entre os contabilistas sobre como estes pagamentos devem ser registados e que tratamento fiscal vão ter”, numa altura em que as empresas estão a poucos dias de começar a realizar pagamentos.
Contabilistas apreensivos
Entre os empresários, as dúvidas são muitas. Cristina Morais, jurista e chefe de gabinete da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), já tinha partilhado com o Expresso, no final de dezembro, antes da entrada em vigor da nova lei, as dúvidas dos empresários do sector: “Não há nenhuma lei nem portaria do Governo que enquadre como devem esses pagamentos ser registados contabilisticamente.” E refere que, “no caso do trabalhador, a lei diz que não será tributado por esses recebimentos, mas não há depois nenhuma portaria do Governo que enquadre esses recebimentos em termos fiscais. E, no caso das empresas, como não há nenhuma portaria que enquadre esses pagamentos feitos aos trabalhadores e que são um custo para elas, não sabem como os devem registar contabilisticamente nem que enquadramento fiscal irão ter”.
E o problema não se coloca apenas para as empresas que decidam fixar um valor mensal para compensar os trabalhadores pelo acréscimo de encargos. “Mesmo que o empregador decida pagar ao trabalhador mediante a apresentação das faturas — a última e a do mês homólogo, para calcular o acréscimo de custos —, o problema mantém-se”, sinaliza o advogado Américo Oliveira Fragoso, especialista em Direito Laboral da sociedade Vieira de Almeida. “As despesas que o trabalhador possa apresentar não estão em nome da empresa e podem até nem estar em seu nome. Como é que isto se enquadra como custo para a empresa e que tratamento fiscal pode ter?”, questiona.
É preciso clarificar a lei nesta matéria, defende a Ordem dos Contabilistas. Paula Franco sinaliza que, “quando foi conhecida a lei, a Ordem alertou o Ministério das Finanças para as dúvidas que ela levantava e para a necessidade de a clarificar”. Meses depois, o problema mantém-se. E Cristina Morais, da CAP, confirma que também entre as confederações patronais “já se fala em, se não houver novidades até ao final do mês, no início de fevereiro avançar com um pedido de esclarecimento conjunto para o Ministério das Finanças, que é o que tem de fazer esse enquadramento fiscal”.
Para a bastonária dos contabilistas, os problemas poderiam ser ultrapassados com a publicação de uma portaria a enquadrar o tratamento fiscal a dar a estas despesas. Tal como acontece, por exemplo, para as ajudas de custo, que estabelece limites mínimos e máximos, atualizados anualmente, para o que é considerado “vantagem económica” e está ou não isento de tributação. “A partir daqui, as empresas conseguiriam definir valores mais uniformes e evitar abusos.” Uma solução que Pedro da Quitéria Faria também subscreve, acrescentando que “esta lacuna na lei pode converter-se num caminho para a evasão contributiva e fiscal, criando-se uma forma de retribuição à margem do salário”. O Expresso questionou o Ministério das Finanças sobre esta questão, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.
Nota: Artigo publicado originalmente na edição semanal do Expresso de 21 de janeiro de 2022.