A história chega de Espanha e está a gerar debate: uma mulher perdeu definitivamente o direito à pensão de viuvez depois de a Segurança Social ter concluído que continuava, no papel, separada judicialmente do marido. Apesar de terem retomado a convivência durante anos e de ter nascido um segundo filho nesse período (ainda que concebido antes da separação judicial), o Tribunal Supremo acabou por manter a recusa, deixando claro que nada disso produz efeitos legais se a reconciliação não for comunicada ao juiz.
De acordo com o site espanhol Noticias Trabajo, que divulgou o caso com base na decisão oficial, a vida em comum não substitui o cumprimento de um requisito formal.
Reconciliação sem efeitos legais
Segundo o Noticias Trabajo, a Segurança Social espanhola rejeitou o pedido da viúva quando esta solicitou a pensão em 2020, na sequência da morte do marido, ocorrida a 4 de fevereiro de 2019. Apesar de o casal viver em conjunto desde pouco depois da separação decretada em 1992, nunca comunicaram a reconciliação ao tribunal que tinha declarado a separação.
A mulher tentou demonstrar que, na prática, a relação tinha sido retomada: invocou o nascimento de um segundo filho, a existência de escrituras públicas em que ambos surgem como cônjuges com o mesmo domicílio e décadas de convivência. Contudo, o Supremo recordou que a legislação, em especial o artigo 84.º do Código Civil espanhol, conjugado com os artigos 220.º e 221.º da Lei Geral da Segurança Social, exige que a reconciliação seja comunicada ao Juzgado e registada para produzir efeitos perante terceiros, incluindo a Segurança Social.
Vida em comum não substitui o dever de comunicar
O tribunal sublinhou que a convivência privada não produz efeitos jurídicos automáticos: enquanto se mantiver em vigor a sentença de separação, a convivência “resulta legalmente inexistente”, por mais que exista de facto. Só a notificação ao juiz e o respetivo registo no Registo Civil tornam a reconciliação válida perante terceiros. Mesmo documentos notariais ou o nascimento de filhos não dispensam esse passo formal.
Aurora, a viúva, tentou também aceder à pensão através do regime das parejas de hecho, argumentando que, na prática, viviam como tal. Mas tanto o Tribunal Superior de Justiça de Múrcia como o Supremo afastaram essa via: não é possível ser considerado “pareja de hecho” quando ainda existe vínculo matrimonial, ainda que apenas na condição de separados judicialmente. Para efeitos legais, ou se é casado sem separação judicial, ou se está divorciado; a separação mantém um vínculo que é incompatível com o regime de “pareja de hecho”.
Uma doutrina abandonada
A viúva ainda invocou uma decisão antiga de 2014 que parecia permitir o acesso à pensão em situações semelhantes. O Supremo, porém, esclareceu no auto de 2 de abril de 2025 que essa jurisprudência foi expressamente abandonada por sentenças posteriores de 2015 e 2016, adotando um critério mais rigoroso: sem comunicação oficial da reconciliação, não há direito à pensão de viuvez, nem como cônjuge separado, nem pela via da “pareja de hecho”.
No final, nenhum dos factos apresentados por Aurora, convivência prolongada, nascimento de um filho, documentos partilhados, foi suficiente para ultrapassar o obstáculo formal. O Supremo recusou admitir o recurso e manteve em vigor a decisão que lhe negava a pensão de viuvez, deixando‑a definitivamente sem esta prestação.
E em Portugal?
Em Portugal, existe um paralelismo relevante com o caso espanhol: também aqui a reconciliação entre cônjuges separados judicialmente de pessoas e bens tem de ser formalizada para produzir efeitos jurídicos plenos. O Código Civil prevê que os cônjuges podem, a todo o tempo, restabelecer a vida em comum, mas a reconciliação deve ser feita por termo no processo de separação ou por escritura pública, sujeita a homologação e a registo; só a partir daí deixa de vigorar o estatuto de separados.
No plano da Segurança Social, o regime da pensão de sobrevivência distingue várias situações. O cônjuge sobrevivo tem, em regra, direito à pensão se o casamento se mantiver à data da morte e se forem cumpridos os requisitos gerais (como a duração mínima do casamento ou as exceções previstas). Já os divorciados ou judicialmente separados de pessoas e bens só têm direito à pensão de sobrevivência se, à data do óbito, estiver em vigor uma pensão de alimentos decretada ou homologada pelo tribunal ou pela conservatória.
Quanto às uniões de facto, a lei portuguesa exige que sejam cumpridos todos os requisitos formais, incluindo a inexistência de casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação de pessoas e bens – situação em que o casamento deixa de ser, por si só, um impedimento, embora continue a ser necessário provar a união de facto nos termos da Lei n.º 7/2001.
Na prática, tanto em Portugal como em Espanha, o entendimento converge num ponto essencial: a realidade familiar só produz efeitos legais se estiver formalmente reconhecida. Quem retoma a vida em comum após uma separação judicial e não regulariza essa reconciliação arrisca‑se a ver recusados direitos que dependem do estado civil ou da qualificação jurídica da relação, como é o caso das pensões de viuvez ou de sobrevivência.















