O caso de uma indemnização atribuída a uma mulher pelo trabalho doméstico exercido durante o casamento voltou a destacar a temática das compensações económicas nos divórcios. A decisão judicial analisada mostra como os tribunais avaliam mudanças na capacidade financeira após a separação.
A decisão da Audiência Provincial de Córdoba confirmou a sentença do Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.º 3 de Posadas, que reconheceu o direito de uma mulher a continuar a receber uma indemnização de 300 euros por mês, durante cinco anos e três meses. Este valor tinha sido acordado na convenção reguladora do divórcio, como compensação pela sua dedicação às tarefas domésticas durante o casamento. No total, a prestação soma 18.900 euros, de acordo com o jornal digital espanhol Noticias Trabajo.
O ex-marido tentou alterar essas condições através de recurso. Pedia a extinção da indemnização, a suspensão da pensão de alimentos do filho maior e a redução da pensão dos filhos menores, alegando que a dissolução da empresa hortofrutícola da qual obtinha os seus rendimento o tinha deixado sem rendimentos.
Acrescentava ainda que a ex-mulher teria melhores condições económicas e bens valiosos, o que, segundo defendia, justificaria a revisão das medidas.
Tribunal rejeita os argumentos do ex-marido
A Audiência Provincial concluiu que não existia qualquer alteração substancial, com vocação de permanência e não voluntária da situação económica que alterasse as condições do divórcio. Quanto ao filho maior, o tribunal recordou que só pode deixar de existir obrigação de alimentos quando a rutura da relação familiar é imputável de forma clara ao próprio filho, algo que não ficou demonstrado, de acordo com a mesma fonte.
Relativamente aos filhos menores, o tribunal considerou que o ex-marido não apresentou prova suficiente sobre a sua verdadeira capacidade financeira. Apesar de alegar que não trabalhava, admitiu ter realizado negócios com potenciais encaixes de cerca de cinco mil euros, o que levou o tribunal a concluir que continuava ativo, ainda que não faturasse em seu nome.
Esclarecimento do tribunal
Ao analisar o pedido de extinção da indemnização de 300 euros, o tribunal esclareceu que o valor não correspondia a uma pensão compensatória do artigo 97 do Código Civil espanhol, mas sim à compensação prevista no artigo 1438, destinada a reparar o trabalho doméstico prestado durante o casamento sob regime de separação de bens.
Este tipo de compensação, de acordo com o Noticias Trabajo, é fixado com base na situação existente no momento da dissolução do casamento e não depende de variações económicas futuras. Assim, não podia ser modificado nem extinto.
E se este caso acontecesse em Portugal
Se uma situação idêntica ocorresse em Portugal, o enquadramento legal seria bastante semelhante, embora com base normativa distinta. No direito português, a compensação pelo trabalho doméstico está prevista no artigo 1676.º do Código Civil (CC), que regula o dever de ambos os cônjuges contribuírem para os encargos da vida familiar.
Este artigo prevê um crédito de compensação a favor do cônjuge que, para assegurar a vida em comum, muitas vezes através de trabalho doméstico e do cuidado dos filhos, renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus interesses, designadamente à sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais importantes. Nestas circunstâncias, esse cônjuge pode exigir do outro uma compensação no momento da dissolução do casamento, ganhando especial relevo quando vigora o regime de separação de bens.
Avaliação feita à data do divórcio
Tal como sucede em Espanha com o artigo 1438.º, também em Portugal a compensação prevista no artigo 1676.º é calculada com base no que aconteceu durante o casamento e na situação existente à data do divórcio ou da partilha, e não em função de rendimentos futuros.
Pedido de extinção do ex-marido
Num caso semelhante em Portugal, a compensação pelo trabalho doméstico dificilmente seria extinta apenas com base em dificuldades económicas posteriores ao divórcio, já que o direito ao crédito resulta da contribuição de cada cônjuge durante o casamento e não é apagado por alterações de rendimentos. Portanto, tudo indica que o pedido do ex-marido não teria êxito.
Quanto aos filhos maiores, só uma violação grave dos deveres familiares imputável ao próprio filho permitiria cessar a obrigação de alimentos, não bastando a mera falta de contacto. Para os filhos menores, o tribunal avaliaria a capacidade económica real do progenitor, exigindo prova sólida da diminuição de rendimentos, sendo improvável uma redução da pensão sem documentação consistente.
Quanto aos alimentos, aplicar‑se‑iam os artigos 1879.º e 1880.º do CC, relativos às despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos menores e maiores em formação, bem como o artigo 2013.º, n.º 1, alínea c), sobre a cessação da obrigação alimentar.
















