O Governo vai obrigar os bancos a negociar com os seus clientes quando o peso das prestações bancárias crescer de forma acentuada e atingir um determinado patamar. Os bancos terão mês e meio para fazer a avaliação da sua carteira para detetar quais os clientes que são afetados por esta medida.
O decreto-lei foi aprovado na reunião do Conselho de Ministros desta quinta-feira, 3 de novembro, que teve lugar em Algés, e o diploma foi apresentado na conferência de imprensa, pelo secretário de Estado do Tesouro, João Nuno Mendes.
LIMITES QUE LEVAM À NEGOCIAÇÃO
Os limites em causa estão relacionados com a taxa de esforço, que compara as prestações dos créditos (o empréstimo à habitação e outro) com o rendimento. Quando a taxa de esforço está em 50% (metade do rendimento das famílias fica para pagar os seus créditos), os bancos já são hoje em dia levados a fazer a negociação para integrar os clientes no âmbito do PARI, o regime criado para que haja medidas pré-incumprimento.
Mas a isso juntam-se agora dois outros patamares, segundo revelou João Nuno Mendes. Um primeiro é quando existir um agravamento da taxa de esforço de 5 pontos percentuais (por exemplo, passar de 40% para 45%). O outro é quando o previsto no teste de stress feito aquando da celebração dos contratos fizer com que a taxa de esforço supere os 36%.
O Governo deixa ao Banco de Portugal o papel da fiscalização.
BANCOS TÊM MÊS E MEIO PARA RAIO-X
Os bancos vão ter 45 dias (quase até ao final do ano, dependendo de quando o decreto-lei entrar em vigor, depois da promulgação da Presidência da República) para encontrar a “população elegível” e avançar com os processos negociais. Não haverá comissões a pagar pelo cliente para a negociação, segundo garantiu o secretário de Estado, dizendo que o objetivo é que não pague nem estes custos, nem Imposto do Selo.
Mas nesse período de 45 dias os próprios clientes podem dirigir-se ao banco caso sintam uma degradação da sua dificuldade de pagar os créditos ao banco.
MEDIDAS A NEGOCIAR
Nessa negociação há várias alternativas: alargamento do prazo do crédito (se isso não ultrapassar os vencimentos máximos que o Banco de Portugal tem vindo a impor aos bancos), a concessão de um novo empréstimo, ou a redução temporária da taxa de juro, enumerou. Uma coisa é certa: “não pode haver aumentos da taxa de juro” só porque o cliente recorreu a estas medidas.
As medidas vigoram até ao final de 2023, destinam-se apenas para habitação própria e permanente e até 300 mil euros de crédito concedido. E também só os créditos com taxa variável, excluindo quem tem créditos à taxa fixa.
GOVERNANTE PEDE BANCA RESPONSÁVEL
“Cada um tem de fazer o que lhe compete”, respondeu o secretário de Estado de Fernando Medina sobre se o diploma conseguirá revelar-se útil para os titulares.
Os bancos devem ter “sentido de responsabilidade”, tendo em conta “o momento que é ímpar da história económica, em que taxa de juro subiu extraordinariamente, embora esteja em patamares normais”. “Enfrentemos a realidade das coisas. Temos um diploma que tem total apoio do regulador”, declarou João Nuno Mendes.
“Se as pessoas tiverem dificuldades, o nosso entendimento é que devem recorrer”, disse.
SEM COMISSÃO DE AMORTIZAÇÃO ANTECIPADA
Além desta medida “a partir da data de entrada em vigor não haverá o pagamento da penalização da comissão da amortização antecipada”, disse o governante, ao lado da ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, e do ministro com a tutela da Habitação, Pedro Nuno Santos.
Esta medida (de 0,5% do valor a reembolsar antecipadamente) já tinha sido anunciada, sendo que ela servirá para ajudar quem tem excesso de depósitos bancários a utilizá-los para diminuir o endividamento no período de taxas elevadas.
Além disso, também facilitará as transferências de créditos entre bancos, para os clientes que procurem melhores condições (por exemplo, custos adicionais ou spreads mais favoráveis nas outras entidades).
MARCELO AINDA TEM DE PROMULGAR
A apresentação de um diploma para apoiar os titulares de créditos foi já anunciada há semanas pelo Governo, tendo sido desenhado autonomamente do Orçamento do Estado para o próximo ano, que continua em discussão no Parlamento até ao fim deste mês.
As novas medidas para o crédito hoje anunciadas terão agora de ser apresentadas para aprovação pelo Presidente da República, pelo que ainda poderá demorar até entrar em vigor. O governante recusou que tenha havido atraso na resposta.
A NECESSIDADE DE MEDIDAS
A subida abrupta da taxa de juro diretora da zona euro, por parte do Banco Central Europeu, tem um impacto direto nas famílias portuguesas porque ela influencia a evolução das Euribor – e estas taxas são usadas como indexantes bancários em mais de um milhão de contratos de crédito à habitação (93% do total).
À medida que as Euribor utilizadas nos empréstimos vão atingindo as suas maturidades (ao fim de três, seis ou 12 meses, consoante os casos), as prestações pagas aos bancos vão sendo revistas em alta, e podem agravar-se em mais de 50%. Além dos créditos já em vigor, também os novos vão sofrendo: os juros médios dos novos créditos à habitação subiram ao valor mais elevado desde 2015.
E o agravamento das prestações poderá não ficar por aqui, porque a presidente do BCE (Banco Central Europeu), Christine Lagarde, já deixou claro que haverá novos aumentos da taxa de juro diretora.
TRABALHO COM SUPERVISOR
Num período de elevada inflação, e com a contenção decidida para a subida das rendas em 2023, faltava uma medida para as famílias com créditos para a casa. Este diploma foi sendo trabalhado entre o Governo e o Banco de Portugal, tendo também recebido contributos da Associação Portuguesa de Bancos, sendo que ao longo das últimas semanas foram sendo noticiadas algumas das medidas ali inscritas. Porém, Governo e banca não estão de acordo em tudo.
A banca sempre foi mostrando que não havia necessidade de medidas muito relevantes, porque há já regimes que permitem às instituições bancárias e aos clientes renegociar os créditos em vigor, como o PARI (preventivo) e o PERSI (posterior ao incumprimento).
O Governo considera que esses regimes não são suficientes, e o primeiro-ministro chegou a dizer que o objetivo era “obrigar” os bancos às mudanças das condições dos créditos tendo em conta a taxa de esforço (o peso das prestações nos rendimentos dos titulares).
AVISOS DA BANCA
Ainda esta semana o presidente executivo do BCP, Miguel Maya, alertou os clientes e o próprio Governo de que era necessária prudência na execução do regime especial para os créditos à habitação, alertando que a renegociação vai deixar um rasto no histórico dos clientes, um “estigma”, como classificou, dificultando depois o pedido de empréstimos no futuro.
O presidente da Associação Portuguesa de Bancos, Vítor Bento, atirou contra o paternalismo de medidas governamentais.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL