A partir do final de 2024, os consumidores europeus poderão enfrentar a escassez de produtos como cacau, madeira e até mesmo um aumento nos preços de vários bens essenciais. A causa? A entrada em vigor da nova Lei Europeia Antidesflorestação. Especialistas alertam que o Regulamento Europeu para Produtos Livres de Desflorestação (EUDR), aprovado em 2023, traz consigo riscos consideráveis para as cadeias de abastecimento e para o mercado.
Impacto nas Cadeias de Abastecimento
Ivan Tomaselli, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente, revelou à Lusa, à margem do Fórum Global de Madeira Legal & Sustentável 2024, em Macau, que “existe um risco, especialmente a curto prazo, de escassez de certas mercadorias e produtos na Europa”. A entrada em vigor do regulamento, prevista para 30 de dezembro deste ano, obriga as empresas a garantir que os produtos comercializados no mercado europeu não sejam provenientes de áreas alvo de desflorestação ou degradação ambiental.
A legislação afeta diretamente um conjunto vasto de produtos, incluindo óleo de palma, cacau, madeira, gado, café, soja, borracha e os seus derivados. Estes produtos estão no centro das cadeias de valor de diversos setores, e a sua restrição poderá desestabilizar o abastecimento. Como aponta Rupert Oliver, especialista da Organização Internacional da Madeira Tropical, “o cacau é particularmente vulnerável”. Num cenário global já afetado pela guerra na Ucrânia e pelo aumento do preço do petróleo, o impacto poderá ser significativo. Oliver recorda que, nos últimos tempos, “o chocolate já se tornou 60% a 70% mais caro” na União Europeia.
Se por um lado produtos como o cacau enfrentam desafios, Tomaselli acredita que é a indústria da madeira que mais sentirá o impacto da nova legislação. Ao contrário de culturas como a soja ou o gado, que são produzidas sazonalmente nas mesmas terras, a gestão sustentável de florestas requer a rotação contínua de áreas florestais. O cumprimento das exigências do regulamento, segundo Tomaselli, poderá levar à criação de um enorme volume de burocracia, com documentos que “podem ter mais de 300 páginas” para comprovar que a madeira não provém de áreas desflorestadas.
O Brasil, um dos principais exportadores de madeira para a Europa, poderá enfrentar dificuldades acrescidas, já que é provável que a União Europeia classifique o país como de “alto risco” devido às elevadas taxas de desflorestação e à rápida expansão da agropecuária. Para o Brasil, o impacto será profundo, com redução das exportações já a partir de 2025. Tomaselli sublinha que quase 100% das exportações de pellets de madeira do Brasil têm como destino a União Europeia, sendo Portugal o maior comprador de troncos brasileiros.
Preocupações e Incertezas
Embora as empresas madeireiras brasileiras assegurem que não têm receios em prestar as informações exigidas pela União Europeia, Deryck Martins, presidente da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará, expressa alguma apreensão: “O que para nós ainda não está claro é como serão essas regras.” Martins critica ainda a tentativa de imposição de normas a países em desenvolvimento por parte da União Europeia, composta por “países que já utilizaram grande parte dos recursos naturais”.
Em suma, a nova legislação coloca desafios significativos à sustentabilidade das cadeias de abastecimento globais. A curto prazo, é expectável que os consumidores europeus enfrentem aumentos nos preços de bens essenciais e uma possível escassez de produtos. No longo prazo, resta saber como os países exportadores, como o Brasil, e as empresas europeias irão adaptar-se a estas novas exigências de mercado.
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