A discussão sobre quem deve pagar obras em condomínios volta a ganhar relevo após uma decisão da Justiça espanhola. O acórdão da Audiência Provincial de Zamora, de 23 de junho de 2025 (Sentença 231/2025), deu razão aos condóminos e confirmou a condenação de vários proprietários de lojas que se recusavam a suportar os custos de instalação de um elevador num prédio onde alegavam não usar a entrada nem as escadas comuns.
De acordo com o portal espanhol Noticias Trabajo, a polémica começou quando a comunidade aprovou, em 2018, a instalação do elevador e uma despesa de 93.081 euros, repartida segundo o coeficiente de cada fração. Na assembleia de 20 de março desse ano, os condóminos votaram também não excluir os proprietários locais comerciais da participação nesses gastos, com 13 votos a favor que representavam 86,37% das quotas, uma maioria superior à exigida pela Lei de Propriedade Horizontal espanhola.
Os proprietários dos locais comerciais, situados ao nível da rua e com entrada direta desde o exterior, impugnaram os acordos dos condóminos em tribunal. Argumentaram que, por não utilizarem o elevador nem as escadas, e estando isentos dessas despesas nos estatutos, não deviam pagar nada pela nova instalação.
Nos estatutos da comunidade, o elevador, as escadas e os patamares surgem como “anexos privativos” das habitações, de uso exclusivo dos moradores dos pisos superiores, que assumem os encargos de limpeza, conservação e reparação dessas zonas. A partir daí, os donos das lojas sustentavam que o elevador deveria ser considerado parte desse mesmo anexo e, portanto, pago apenas pelos condóminos das frações servidas pelo equipamento.
Uma decisão que gerou resistência
O tribunal de primeira instância, o Juzgado de Primera Instancia n.º 4 de Zamora, rejeitou esta tese em 2024. Na sentença, entendeu que a cláusula estatutária apenas exonerava os locais das despesas de manutenção e reparação do portal, escadas e patamares, mas não do custo de uma obra nova como a instalação de um elevador, que foi qualificada como intervenção de natureza estrutural, necessária à utilização e habitabilidade do edifício.
A decisão sublinhou ainda que, ao longo do processo, foram estudadas várias soluções técnicas e orçamentos para a colocação do elevador. Uma das alternativas mais económicas, defendida num relatório pericial apresentado pelos próprios autores, passava pela execução das obras através de um dos locais comerciais, o que implicaria constituir uma servidão sobre essa fração.
Contudo, o acórdão regista que os proprietários das lojas não compareceram na assembleia em que foi escolhido o empreiteiro, não apresentaram propostas alternativas concretas e, sobretudo, nunca ofereceram o seu consentimento para que o elevador fosse instalado através dos seus espaços. Perante essa ausência de colaboração, a comunidade optou por uma solução aprovada por maioria que, segundo o tribunal, não era sequer o orçamento mais caro entre os disponíveis.
De acordo com a mesma fonte, no processo foram produzidos vários relatórios periciais, com conclusões divergentes. A Justiça acabou por dar relevo, não só à avaliação técnica das alternativas, mas sobretudo à linha já fixada pelo Supremo Tribunal espanhol: a instalação de um elevador num edifício que antes não dispunha desse serviço é uma intervenção que melhora de forma relevante a acessibilidade e a habitabilidade do imóvel, e não uma simples comodidade facultativa.
A leitura da lei e da jurisprudência
Ao analisar o recurso interposto pelos proprietários dos locais, a Audiência Provincial de Zamora confirmou integralmente a interpretação da primeira instância. Para os juízes, as obras em causa enquadram‑se no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Propriedade Horizontal espanhola, que considera obrigatórias as intervenções necessárias para garantir a conservação do imóvel e satisfazer requisitos básicos de segurança, habitabilidade e acessibilidade.
A decisão sublinhou também que a legislação obriga todos os condóminos a participar nos custos dessas obras, salvo cláusula estatutária clara, expressa e inequívoca que exclua de forma específica o pagamento das novas instalações, algo que não existia neste caso. A isenção relativa ao uso e à limpeza do portal e das escadas não podia ser interpretada de forma extensiva para abranger a construção do elevador.
De acordo com a mesma fonte, a jurisprudência do Supremo espanhol foi determinante para a decisão final. A Audiência citou o acórdão 152/2024, entre outros, que reafirma que, quando se instala um elevador ex novo, os proprietários de lojas e garagens também devem contribuir para o gasto correspondente, e que a exclusão com base apenas na falta de uso seria abusiva para os restantes condóminos, por distorcer a repartição de encargos na comunidade.
Um impacto que ultrapassa o uso direto
Além dos argumentos legais, a sentença destacou a utilidade objetiva da obra. A instalação do elevador é qualificada como necessária para a habitabilidade e o uso integral do imóvel, ao mesmo tempo que incrementa o valor do edifício no seu conjunto e redunda em benefício de todos os coproprietários, mesmo aqueles que não utilizam diretamente o equipamento.
Na análise do alegado abuso de direito, e segundo o Noticias Trabajo, o acórdão salienta que não houve má‑fé da comunidade ao escolher a solução de obras e ao fixar as quotas segundo o coeficiente de cada fração. Pelo contrário, o tribunal nota que os custos adicionais invocados pelos autores estão ligados ao facto de estes se terem oposto à alternativa que passaria pelos seus locais sem, em momento algum, terem oferecido de forma efetiva essa possibilidade à comunidade.
Em linha com a jurisprudência do Supremo, os juízes reiteram que a melhoria “reverte em benefício do edifício e de todos os condóminos”, reforçando a ideia de que o condomínio funciona como uma unidade patrimonial, onde as intervenções estruturais que aumentam a acessibilidade e o valor global do prédio devem ser suportadas por todos.
Possíveis desenvolvimentos
A sentença da Audiência Provincial de Zamora confirmou a obrigação dos comerciantes contribuírem para o custo da obra e manteve na íntegra a decisão de primeira instância. O acórdão indica, no entanto, que contra esta decisão ainda cabe recurso de cassação e/ou por infração processual para o Tribunal Supremo, a interpor no prazo de 20 dias a contar da notificação.
Para já, a comunidade poderá prosseguir com a cobrança das quotas aprovadas em assembleia, apoiando‑se numa decisão judicial que considerou legal, necessária e proporcional a instalação do elevador para adaptar o edifício às exigências atuais de acessibilidade.
E se fosse em Portugal?
Num cenário semelhante em território nacional, o desfecho dependeria de pormenores como o facto de o elevador servir ou não as frações comerciais e do regime concreto previsto no título constitutivo e no regulamento do condomínio.
O Código Civil português, no artigo 1424.º, estabelece como regra que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são suportadas pelos condóminos na proporção do valor das suas frações, admitindo, porém, disposições em contrário. O n.º 3 do mesmo artigo prevê ainda que as despesas relativas a partes comuns que sirvam exclusivamente alguns condóminos ficam a cargo apenas daqueles que delas se aproveitam.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado que, em princípio, as despesas com elevadores devem ser suportadas pelos condóminos cujas frações são ou podem ser servidas por esse equipamento, independentemente de alegarem que não o usam, podendo ficar isentos os proprietários de frações que não são nem podem ser servidas pelo elevador, salvo regime diverso claramente estabelecido no título constitutivo ou no regulamento.
Ou seja, também em Portugal a mera alegação de falta de uso não costuma bastar para escapar ao pagamento. Mas, ao contrário do caso espanhol concreto, seria decisivo perceber se os locais do rés do chão podem ser servidos ou valorizados pela instalação do elevador e qual o estatuto jurídico que os estatutos do condomínio lhes atribuem.
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