Em Portugal, compra-se casa cada vez mais tarde. Se há 30 anos alguém com um emprego estável conseguia, sem grandes dificuldades, o acesso a um crédito habitação para a compra da primeira casa, nos dias de hoje já não é bem assim.
São vários os fatores que contribuem para esta mudança.
PORQUE É QUE OS JOVENS COMPRAM CASA EM PORTUGAL CADA VEZ MAIS TARDE?
O preço das casas subiu (não há previsão de uma descida), os jovens adultos não conseguem vínculos laborais estáveis e os rendimentos que auferem são baixos.
Tudo isto somado faz com que a compra da primeira casa aconteça cada vez mais tarde. E muitos são obrigados a viver em casas alugadas durante anos, com rendas igualmente altas.
Nuno Rico, economista e especialista em crédito habitação da Deco Proteste, aponta três razões principais para os jovens não conseguirem comprar casa em Portugal:
- Rendimentos baixos;
- Vínculos laborais precários;
- Preços elevados do mercado imobiliário.
“O contexto socioeconómico que temos vindo a viver nas últimas duas décadas tem dificultado muito o acesso dos jovens ao crédito habitação”, começa por dizer.
Em entrevista à SIC Notícias, Nuno Rico sublinha que o rendimento dos mais jovens é “relativamente mais baixo” em comparação com os rendimentos de “pessoas um pouco mais velhas”.
“Hoje em dia temos uma população jovem muito mais qualificada do que tínhamos há uns anos, mas isso não se traduziu numa subida muito significativa dos salários“, aponta.
“EQUAÇÃO QUASE IMPOSSÍVEL”
Há ainda, como já foi referido, um fator importante que dificulta a compra de casa: os preços elevados do mercado imobiliário.
O economista refere que Portugal tem os preços médios por m2 mais elevados da Europa e os salários médios mais baixos.
“Temos aqui uma equação quase impossível. Como é que com os nossos salários médios conseguimos acompanhar esta crescente dos últimos sete, oito anos? Nos grandes centros urbanos, eu diria que é quase impossível para a larga maioria dos jovens comprar casa“, afirma.
OS NOVOS PRAZOS DOS CRÉDITOS À HABITAÇÃO
A acrescentar a estes fatores, surge ainda uma nova variante que veio dificultar ainda mais as contas de muitos jovens e que está relacionada com os prazos dos créditos à habitação.
Em julho de 2018, o Banco de Portugal (BdP) introduziu recomendações para a concessão de crédito à habitação e consumo para evitar situações de incumprimento e problemas relativamente ao rendimento disponível.
Nessa altura, o supervisor determinou várias recomendações, incluindo a convergência do prazo máximo de 40 anos para uma convergência média de 30 anos nos novos contratos de crédito à habitação que é ajustada à idade dos clientes.
A medida entra em vigor no dia 1 de abril.
“A maturidade máxima destes créditos deve ser de 40 anos, para mutuários com idade inferior ou igual a 30 anos. De 37 anos de prazo para mutuários com idade superior a 30 anos e inferior ou igual a 35 anos, e uma maturidade de 35 anos, para mutuários com idade superior a 35 anos”, lê-se no comunicado do Banco de Portugal.
O especialista em crédito à habitação, Nuno Rico, considera que esta alteração dos prazos “é um acréscimo de dificuldades”.
O QUE DIZEM OS JOVENS
A SIC Notícias falou com jovens entre os 30 e os 33 anos que ainda não conseguiram comprar casa.
ANA SOUSA, 32 ANOS, GESTORA DE REDES SOCIAIS
Ana e o namorado estão à procura de casa para comprar há aproximadamente dois anos. Ambos têm vínculos laborais estáveis e rendimentos razoáveis. Neste caso específico, ainda não conseguiram comprar casa por causa dos preços.
A viverem num T1 alugado, em Lisboa, é neste concelho que pretendem comprar casa, não só por já estarem habituados a viver na capital, mas também porque é onde trabalham.
No entanto, os novos prazos que entram em vigor em abril já fizeram com que o casal ponderasse se quer mesmo ficar em Lisboa ou noutras zonas, nos arredores da capital.
“Atualmente, comprar casa em Lisboa parece um sonho, uma miragem“, diz a gestora de redes sociais em declarações à SIC Notícias.
O facto de ainda não ter conseguido comprar faz com que Ana deixe em standby alguns projetos de vida.
“Uma pessoa nem pode pensar em ter filhos a viver num T1”, lamenta.
“A idade vai passando e com estas alterações nos prazos pior ainda. O tempo, que já era escasso para quem quer iniciar uma família, ficou ainda mais curto. E a frustração é maior.”
“Estamos todos à espera que a bolha imobiliária rebente, mas sinceramente acho que isso só vai acontecer daqui a muito tempo”, afirma.
Ana confessa que as novas regras do Banco de Portugal fizeram com que a procura de casa se tornasse mais intensa. “Agora temos de tomar uma decisão num curto espaço de tempo: ou deitamos a toalha ao chão, ou compramos uma casa numa zona que não gostamos muito”.
DUARTE SILVA, 30 ANOS, GESTOR DE PROJETOS DE INOVAÇÃO E ESTRATÉGIA
Duarte procurou casa durante um ano e meio. O preço das casas em Lisboa fez com que desistisse, uma vez que não tinha nem os 10% do valor do imóvel que são exigidos para quem recorre ao crédito à habitação.
Apesar de ter um trabalho onde conseguia obter bons rendimentos, não foi suficiente para investir em Portugal. Duarte acabou por emigrar para a Suíça em novembro de 2021.
“Comprar casa aqui não está nos planos. Não sei por quanto tempo é que vou ficar, mas a ideia era juntar algum capital que me permitisse investir em Portugal“, conta.
O gestor de projetos de inovação e estratégia não recebeu com agrado a notícia dos novos prazos do crédito à habitação.
“Esta alteração obriga a que tenhamos uma prestação mais alta e provavelmente também representará uma taxa de esforço superior junto dos bancos”, afirma à SIC Notícias.
Duarte tinha esperança que as recomendações do BdP não avançassem.
RITA RAMOS, 33 ANOS, PASTELEIRA
A primeira vez que Rita e o marido procuraram casa para comprar foi há 10 anos. Como tinham entrado no mercado de trabalho há pouco tempo, as poupanças eram escassas. E, na altura, os bancos pediam um fiador.
“As únicas pessoas que nos podiam ajudar eram os nossos avós, mas já não tinham idade para serem fiadores de uma casa”, começa por dizer à SIC Notícias.
O tempo foi passando, os vínculos laborais não melhoraram e o casal vive até hoje numa casa alugada com os quatro filhos, com idades entre os três e os onze anos.
“Não pude escolher onde moro, tenho de morar longe das escolas e sem carta de condução é muito difícil deslocar-me com as crianças”, afirma.
Rita trabalha por conta própria e o vencimento varia de mês para mês, uma vez que depende do número de encomendas que recebe. Já o marido recebe o salário mínimo.
“Entre pagar água, luz, gás, comida e a renda, que são 500 euros, não nos sobra muita coisa. Gostava muito de ter a minha casa, mas infelizmente ainda não consegui devido a esta situação”, conta.
A incerteza sobre o futuro afeta de forma significativa a estabilidade familiar e emocional.
“Tenho de me sujeitar à casa que está disponível no mercado de arrendamento e, no nosso caso, apesar de vivermos num T3, é uma casa pequena para seis pessoas”, conta.
Uma vez que Rita tem 33 anos, se hoje fosse pedir um crédito à habitação, teria de o pagar, no máximo, em 37 anos.
“Esses três anos vão fazer toda a diferença. É uma medida que me afeta no sentido em que teria de pagar uma prestação mais alta”, diz.
ESTÁ A PENSAR COMPRAR CASA? ESTAS DICAS SÃO PARA SI
O economista Nuno Rico enumera algumas dicas importantes para quem quer comprar casa. E atenção porque estes conselhos são direcionados para todas as faixas etárias.
– Verificar se a compra do imóvel é a melhor opção
Isto é, se estiver numa situação de pouca estabilidade a nível laboral e se a intenção não for manter-se naquela cidade/concelho nos próximos cinco, dez anos, a compra não deverá ser a melhor opção, principalmente “tendo em conta os preços muito elevados do imobiliário”, aponta.
– Verificar a estabilidade dos rendimentos
Nuno Rico relembrou que um crédito à habitação é um compromisso de aproximadamente 30 anos, que, no caso dos mais jovens, pode ir até aos 40 anos.
Nesse sentido, considera importante que os potenciais compradores façam uma avaliação dos seus rendimentos a longo prazo.
“Devem ponderar o seguinte: se eu não tiver estabilidade profissional, ou se houver uma oscilação nos rendimentos, ou ainda se os juros subirem de forma significativa, que impacto é que isso terá no orçamento familiar?”
O economista considera que as pessoas devem preparar-se sempre para uma eventual oscilação, quer do rendimento, quer das prestações.
– Reduzir o prazo para pagar o crédito, de forma a que não ultrapasse a idade da reforma
Como? Em vez de fazer um contrato de crédito com a duração de 40 anos, tente fazer a 30 anos, desde que consiga suportar a prestação.
Para evitar dificuldades no futuro, Nuno Rico considera essencial que o crédito não “ultrapasse a idade prevista da reforma”, porque nessa altura os rendimentos sofrem uma queda brusca.
Caso contrário, “vamos estar durante 10 anos com consumidores com um encargo de um imóvel que já não tem o valor que tinha na altura”.
“Atualmente temos aproximadamente 40% dos contratos de crédito à habitação a terminar depois dos 70 anos, alguns deles inclusive a atingir os 80 anos“, remata.
- Texto: SIC Notícias, televisão parceira do POSTAL