A falta de trabalhadores no turismo foi um dos problemas mais debatidos no arranque da época alta, que acabou por ter no país níveis recorde de procura, superiores até ao período pré-covid. Mas, afinal, como conseguiram os hotéis contornar no verão este défice tão grave de mão-de-obra para operações essenciais, num período de tanta procura? O Expresso procurou, para este efeito, sondar os principais hoteleiros.
“Conseguimos resolver o problema, porque temos várias unidades numa mesma região, e foi possível a movimentação de pessoal de umas para as outras”, adianta Manuel Proença, fundador e presidente do grupo Hoti, que tem hotéis em várias zonas do país, num portefólio que totaliza 20 unidades.
Um exemplo desta mobilização de trabalhadores do grupo hoteleiro no pico do verão foi na região do Porto, “onde temos quatro hotéis próximos”, e para este efeito “também criámos em Braga uma base de alojamento”, refere o presidente da Hoti.
“Contratámos estrangeiros, ucranianos, brasileiros, arranjámos alojamentos fora do grupo, fomos vivendo assim, e com algumas deficiências resolvemos o problema do verão”, adianta Manuel Proença, presidente da Hoti Hotéis
“Em algumas áreas contratámos pessoal estrangeiro, com alojamento fora do grupo, em que arranjámos apartamentos, tivemos ucranianos, brasileiros, e pessoas de outras nacionalidades. Fomos vivendo assim, e com algumas deficiências conseguimos resolver o problema no verão”, destaca.
“Somos uma cadeia de hotelaria urbana, temos menos dificuldade em arranjar pessoal do que outras cadeias que operam em zonas de ‘resort'”, nota Manuel Proença. O facto é que grupo Hoti conta de momento com cerca de 800 trabalhadores, já chegou a ter 1000, “e ainda não os conseguimos preencher, temos 20% de trabalhadores a menos, mas também aumentámos a eficiência dos nossos recursos”.
Com oito hotéis novos em ‘pipeline’, o presidente da Hoti diz estar “muito apreensivo em relação ao plano de expansão, não sabemos onde as taxas de juro vão parar, e temos de pensar muito ao iniciar projetos”.
GRUPO PESTANA OPTOU POR “CONTRATOS INTERMITENTES” E CAPTAÇÃO DE IMIGRANTES
No caso do maior grupo hoteleiro português, a falta de mão-de-obra para a época alta foi acautelada logo após o primeiro trimestre. “Precisávamos, de março a junho, de 1000 trabalhadores, fomos ao mercado, e contratámo-los”, resume José Theotónio, presidente executivo do grupo Pestana, que conta com 107 hotéis (também fora de Portugal) e cerca de seis mil trabalhadores.
Entre os 1000 novos trabalhadores conseguidos este ano pelo grupo Pestana, destacaram-se estrangeiros e “muitos de Marrocos”, contratados ao abrigo de parcerias com escolas de turismo, o que “no caso de Cabo Verde falhou, porque não havia acordos com consulados para as pessoas poderem obter visto”, segundo avança José Theotónio.
Tratando-se de trabalhadores sobretudo para fazer face a um pico de procura sazonal, “estamos a usar muito o modelo de contrato intermitente”, que permite que as pessoas recebam parte do salário quando não estão a trabalhar, além de poderem trabalhar em outros locais, explica ainda o líder executivo do grupo Pestana.
“Conseguimos dar a volta ao problema, mas foi difícil”, reconhece o responsável hoteleiro, frisando que não se conseguiu preencher na totalidade a mão-de-obra necessária face ao volume de quartos ocupados, “mas não tivemos de tomar a decisão de não abrir hotéis ou restaurantes por causa disso”.
José Theotónio lembra ainda que, neste campo, um ponto a favor do grupo é o de “termos mantido durante a pandemia os postos de trabalho, e sem perda de rendimento para as pessoas que ganham até 3500 euros, através de um complemento aos apoios de lay off”.
A procura no verão esteve em alta nos hotéis Pestana, “em termos de mercado, setembro e outubro estão melhores que 2019”, mas, segundo o presidente executivo do grupo, “as reservas a partir de novembro estão a abrandar a um ritmo superior ao que esperávamos, é natural que haja agora uma baixa pois sabe-se que há uma regressão na procura, e as pessoas também reservam cada vez mais em cima da hora”.
VILA GALÉ APOSTA NO INTERCÂMBIO DE TRABALHADORES ENTRE PORTUGAL E BRASIL
Para a Vila Galé, o segundo maior grupo hoteleiro nacional, uma estratégia seguida “para reforçar as equipas tem sido apostar no intercâmbio de trabalhadores entre Portugal e o Brasil”, segundo destaca o administrador, Gonçalo Rebelo de Almeida. Recorde-se que o grupo Vila Galé tem 20 hotéis em Portugal e 10 no Brasil.
“De facto, a escassez de recursos humanos é transversal a todo o país e afeta a hotelaria e o turismo, mas também outros sectores, como o retalho, a construção e até a saúde”, nota Gonçalo Rebelo de Almeida, adiantando que “para tentar atenuar esta dificuldade em contratar, a Vila Galé tem procurado reter os quadros atuais, lançar programas específicos para integrar recém-licenciados e jovens com conhecimentos técnicos, reforçar a formação e trabalhar para ter carreiras mais atrativas e bem remuneradas”.
Em 2022, uma das medidas avançadas pelo grupo hoteleiro foi “atualizar os ordenados mais baixos, e a folha salarial total aumentou cerca de 7%”, refere o administrador, lembrando que “também oferecemos boas oportunidades de progressão, recompensas pelo mérito e empenho, e planos de benefícios muito completos” – destacando o facto de “os colaboradores e as suas famílias terem descontos até 65% no alojamento e serviços nos hotéis do grupo, também em seguro de saúde, além de beneficiarem de vantagens e descontos em cultura, saúde, formação ou telecomunicações pelas parcerias que estabelecemos com empresas de várias áreas”.
O grupo Vila Galé conta com cerca de 1.750 trabalhadores em Portugal, e “neste momento, não temos colaboradores em falta, vamos entrar na época baixa, pelo que as posições que temos em aberto são pontuais”, salienta Gonçalo Rebelo de Almeida.
O verão de 2022 “superou as expectativas, e estamos já ao nível dos resultados pré-pandemia”, garante o administrador da Vila Galé, frisando que “por exemplo no Algarve, as taxas de ocupação rondaram os 90%”. “A procura agora abrandou, mas o inverno deve ser semelhante ao que se verificava no pré-pandemia”, antecipa.
GOVERNO DÁ VISTOS DE TRABALHO E “PORTA ABERTA” A IMIGRANTES DA CPLP
O turismo chegou a empregar 320 mil pessoas, “e ainda estamos com 60 mil postos de trabalho a menos que em 2019”, realçou o primeiro-ministro, António Costa, na recente cimeira da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), lembrando que a falta de mão-de-obra está a ser um problema global.
“Não que as pessoas tenham desaparecido, mas a pandemia mudou muito a predisposição para o trabalho, sobretudo no que toca à relação entre vida pessoal e laboral, o que explica que estejamos todos confrontados com menos recursos humanos”, sublinhou Costa.
O destaque do primeiro-ministro foi para a assinatura do acordo de mobilidade na CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), segundo o qual os vistos de trabalho “devem ser imediatamente deferidos pelos consulados, salvo se houver motivos de força maior, como expulsão, a partir de agora todos podem procurar legalmente em Portugal, e espero que este acordo venha responder às necessidades sentidas no turismo”.
Uma primeira iniciativa irá decorrer em Cabo Verde de 20 a 22 de outubro, em que o Governo irá promover, em feiras de empregabilidade, “este modo legal de emigração segura para Portugal”.
“As pessoas não desapareceram, mas a pandemia mudou muito a predisposição para o trabalho, a relação entre vida pessoal e laboral, o que explica estarmos confrontados com menos recursos humanos”, justifica António Costa
Costa enfatizou que “em julho, segundo os últimos dados oficiais, “as dormidas de não residentes atingiram o nível pré-pandemia”, com aumentos de 16%, e que “o sector de viagens e turismo bateu o recorde desde que há registo” – o que dá “boas razões” para acreditar na força e capacidade de recuperação do turismo, “num momento em que temos de encarar o futuro numa situação de guerra duradoura”.
“O verão deste ano é a prova que conseguimos vencer os desafios covid”, sublinhou Fernando Medina na cimeira do turismo, frisando que em junho o volume de negócios do sector cresceu 62,3% face ao período homólogo do ano anterior.
“O turismo tem hoje uma importância central na recuperação, e vai continuar a ter nos próximos anos, será um pilar do desempenho da economia em 2023”, considerou Medina.
À semelhança do ministro das Finanças, também o presidente da câmara de Lisboa apontou previsões de crescimento turístico no próximo ano. “Até julho tivemos uma recuperação extraordinária no turismo, e espera-se este ano atingir 85% das taxas de ocupação de 2019, apesar da situação de guerra”, destacou Carlos Moedas, antecipando que “estes valores serão ultrapassados em 2023”.
O turismo terá perdido 100 mil trabalhadores durante a pandemia, foram recuperados cerca de 40 mil “e falta recuperar 60 mil”, realçou Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, enfatizando a meta de “promover Portugal como país para trabalhar” e com “porta aberta a trabalhadores da CPLP”.
Sobre o desafio de acolher estes imigrantes/trabalhadores e garantir-lhes condições de habitabilidade, a ministra avançou ter “a certeza que as empresas serão as primeiras a contribuir” para este tipo de soluções.
Ana Mendes Godinho deixou claro que “o grande desafio é atrair os nossos jovens para trabalharem no turismo”, mas “com as pessoas que temos em Portugal não chega, é preciso abrir o mercado de trabalho aos que venham de fora”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL