Medusa é o nome do cabo submarino que está em vias de garantir as autorizações do Estado Português para amarrar no Start Campus de Sines, e na praia de Carcavelos, concelho de Cascais. O novo cabo da AFR-IX Telecom vai garantir a ligação de 8700 quilómetros entre Carcavelos e Port Said, no Egito, e pelo meio deverá assegurar ramificações para diferentes localidades do Sul da Europa e do Norte de África. No total são 480 Terabits por segundo (Tbps) que vêm a caminho.
“Há uma combinação de fatores que nos leva a investir neste cabo: além de haver alguns cabos submarinos no Mediterrâneo que estão a chegar ao final do ciclo de vida (e que precisam de alternativas), sabe-se que o tráfego de telecomunicações gerado em África tem crescido a uma média de 55% por ano”, explicou Norman Albi, diretor executivo da AFR-IX Telecom, ao Expresso, antes da conferência “Encontros na ZILS: Sines Tech, EU-Atlantic Data Gateway Platform”, que decorre esta terça-feira em Sines.
A instalação do Medusa está orçamentada em 326 milhões de euros e conta com financiamento do Banco Europeu de Investimento. Norman Albi informa que o novo cabo submarino “tem o estado da arte das tecnologias de fibra ótica”, mas lembra que a característica mais diferenciadora “está no facto de estarmos a usar um cabo ‘aberto’, que se pode conectar a qualquer tipo de tecnologia ou marca”.
A AFR-IX tem como principais clientes operadores de telecomunicações, empresas especializadas no processamento de dados e produtores de conteúdos. Mais recentemente surgiram projetos de instalação de cabos submarinos liderados por produtores de conteúdos (Google e Facebook são os mais conhecidos) ou de consórcios de operadores de telecomunicações.
Albi está convicto de que há espaço para todos: “Nós somos neutrais e prestamos serviços a quem nos solicitar. E também podemos apresentar serviços alternativos com traçados que podem não ser muito interessantes para os cabos geridos por produtores de conteúdos ou pelos consórcios de operadores de telecomunicações”, sublinha.
Além de Carcavelos e Sines, o traçado desenhado para o Medusa prevê amarrações em várias localidades de Espanha, França, Itália, Egito, Argélia e Marrocos. Entre os principais pontos de conexão, há um que merece maior destaque: a ligação a Marselha, cidade francesa que alberga o principal conglomerado de pontos de amarração e infraestruturas ligadas aos cabos submarinos da Europa.
Entre as autoridades nacionais há a expectativa de que a ligação ao Mediterrâneo pode reforçar o valor estratégico da unidade de amarração de cabos e dos centros de dados que estão a ser projetados para Sines – e que teve na ligação à América do Sul garantida pelo recém-inaugurado Ella Link o primeiro tiro de partida.
A chegada de mais um cabo submarino pode funcionar como referência para os restantes operadores passarem a ter Sines no radar de futuros investimentos, que pretendem tirar partido da existência de interligações facilitadas para outras paragens. A estratégia nacional pretende atrair mais cabos submarinos, mas em Sines há a expectativa de juntar à amarração de cabos submarinos o potencial de um centro de processamento e armazenamento de dados que deverá começar a operar no final de 2022.
“Portugal não quer ser apenas a praia onde amarram os cabos submarinos que vêm de outros países”, explica Filipe Costa, diretor executivo da AICEP Global Parques. A AICEP Global tem vindo a participar na instalação do novo centro de dados de grandes dimensões junto ao Porto de Sines, num espaço que é conhecido como Start Campus. Este centro de dados vai ser instalado com investimentos de 3,5 mil milhões de euros provenientes dos fundos Davidson Kempner, dos EUA, e Pioneer Point Partners, do Reino Unido.
No dia 29 de dezembro, foi firmada a escritura para os primeiros nove hectares que vão albergar o primeiro módulo deste centro de dados que, além de ombrear em dimensão com os maiores da Europa, deverá ser suportado por energia renovável e, eventualmente, refrigerado por água do mar.
Este primeiro módulo, cujo consumo de energia irá requerer a instalação de uma capacidade de 15 megawatts (MW), deverá ser construído para garantir a operacionalidade até ao final de 2022 – mas o projeto abrange um total de 60 hectares, e a instalação de uma capacidade de 495 MW, que só deverá ser alcançado com a construção de mais quatro módulos ao longo dos próximos anos.
Filipe Costa recorda que, até à data, os cabos submarinos atracavam em diferentes pontos da Europa, mas o tráfego era, na maior parte dos casos, encaminhado para processamento em Londres, Frankfurt, Paris ou Amesterdão. Além de garantir pontos de amarração que outras cidades europeias não podem disponibilizar, Sines pretende fazer a diferença com uma unidade que separa o tráfego consoante clientes ou operadores, e disponibiliza unidades de armazenamento de dados no local.
“Sines e Lisboa funcionam como portas de entrada do Atlântico e para a África Ocidental”, sublinha Norman Albi, sobre o posicionamento estratégico favorável da costa portuguesa.
À geografia junta-se uma cadeia de vantagens: quando a UE, o Brasil e outros países da América Latina decidiram apoiar a instalação do cabo submarino Ella Link, com uma largura de banda de 100 Tbps, tinham como propósito estabelecer uma ligação direta entre Sines e Fortaleza, Brasil, sem passar pelos EUA.
Além das questões de soberania digital, essa ligação direta tem uma extensão bem menor que aquela que seria exigida para ligar América Latina, América do Norte e Europa – e esse fator promete reduzir a latência (o tempo de espera para as comunicações produzirem efeito) exigido nas ligações entre América Latina e Europa.
Confirmado o Ella Link, ficaram criadas as condições para o novo centro de dados de grandes dimensões que vai ser instalado no Start Campus de Sines. E possivelmente, o anúncio do futuro centro de dados acabou por ajudar à vinda do cabo Medusa – e de outros que já foram anunciados ou que estão em vias de ser anunciados.
“A instalação de um cabo atrai outros cabos; e a instalação de um centro de dados como o que estamos a desenvolver em Sines deverá atrair ainda mais cabos”, acrescenta Filipe Costa.
Segundo a Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), há quatro processos em curso para a amarração de quatro cabos submarinos em Portugal até 2025. Dois deles são liderados por Facebook e Google (os restantes não foram revelados pelo facto de os promotores ainda não os terem anunciado oficialmente).
O Medusa poderá ser apontado como o terceiro projeto conhecido nos tempos mais recentes – e é possível que outros projetos similares sejam anunciados nos tempos mais próximos. Na DGRM, há a expectativa de que a largura de banda garantida por via marítima aumente, em seis a oito vezes, com os novos cabos submarinos que já começaram a ser projetados.
A morfologia da costa, que permite ter mar profundo e rochoso, e a inexistência de drenagens podem tornar Sines um local de eleição para atrair mais cabos e até mais centros de dados que se pretendam juntar ao projeto liderado pelos fundos Davidson Kempner e Pioneer Point Partners. A pressão urbanística e os limites à construção também podem dar um contributo importante para captação de mais centros de dados para Sines.
“Quando falamos de centros de dados de grandes dimensões que consomem energia renovável não se pensa em zonas urbanas (como aconteceu no passado em Paris, Londres ou Frankfurt)”, explica Filipe Costa.
O líder da AICEP Global Parques está convicto de que o dueto tecnológico protagonizado por cabos submarinos e centros de dados pode reverter a favor de Portugal a histórica característica periférica, e também pode ajudar a catapultar o País para a denominada “economia de dados” e acelerar a transição digital, ao mesmo tempo que garante comunicações mais rápidas e investimento externo.
No território continental português, a amarração de cabos submarinos tem privilegiado Carcavelos, Seixal e Sesimbra – e os três pontos ficam nos arredores de Lisboa. Por questões de redundância, é provável que esses locais continuem a ser usados para amarrações futuras.
Filipe Costa acredita que as amarrações previstas para Sines não têm de obrigatoriamente desviar as ligações previstas para os arredores de Lisboa. “O nosso objetivo não é trazer para Sines os cabos que se encontram amarrados à volta de Lisboa. O nosso objetivo é trazer para Sines os cabos que pretendem fazer processamento de dados, evitando que vão parar a outros países”, conclui.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL