A semana ficou marcada pela decisão de Moscovo em iniciar uma ‘operação especial’ de invasão da Ucrânia, que se saldou por um impacto no mercado bolsista global ainda limitado, com uma descida de 0,6% no índice mundial da consultora financeira MSCI.
Depois de quebras diárias sucessivas, acumulando uma perda de 3%, os mercados reagiram em alta na sexta-feira, com o índice mundial a subir 2,4%, anulando em grande parte o choque do regresso da guerra na fronteira do leste europeu. O índice global CRB de preços futuros das principais matérias-primas, fornecido pela Refinitiv, registou uma subida de apenas 0,3% durante a semana. O choque global ainda vai no adro.
Os investidores, segundo os analistas, avaliam, ainda, até que ponto a nova expansão do Kremlin na sua fronteira ocidental (depois das operações de 2008 na Geórgia e da anexação em 2014 da Crimeia) pode trazer um choque global aos mercados financeiros em função do desenrolar da ocupação da Ucrânia e do efeito das sanções económicas e financeiras avançadas sobretudo pelos Estados Unidos e pela União Europeia. O balanço dos efeitos desta primeira semana é assimétrico.
O choque nos mercados financeiros centrou-se no colapso das bolsas de Kiev (41%), no país invadido, e de Moscovo (33%), no país agressor, e arrastou as praças limítrofes do Cazaquistão (22%), Eslovénia (15%). Hungria (13%), Viena (11%) e Varsóvia (11%). Em Moscovo, sete das principais cotadas colapsaram mais de 40%, incluindo os bancos sancionados pelos EUA e Bruxelas, o estatal VTB e o Sberbank (dominado em 60% pelo Banco Central da Rússia), a petrolífera Rosneft (que ainda não foi sancionada), o grupo imobiliário PIK, e as empresas de Internet e redes sociais VK e Yandex (também cotada no Nasdaq, onde se afundou 59%), e o grupo de mineração de ouro Petropavlovsk (também cotado em Londres, onde perdeu 41%).
Entretanto rolaram as cabeças dos ex-políticos europeus que exerciam cargos dirigentes em grupos russos, que se demitiram na sequência da invasão: os ex-primeiros-ministros, Matteo Renzi, de Itália, Esko Aho, da Finlândia, François Filon, de França, e Christian Kerne, da Áustria. O caso mais saliente é o do ex-chanceler alemão Gerhard Schroeder, que criticou a invasão, mas não se demitiu da chefia da Rosneft e da administração da Gazprom.
Impactos colaterais na Ásia e Europa
Um segundo anel de impacto negativo abrangeu a Turquia (o índice BIST 100 caiu 4% durante a semana) e o conjunto da região da Ásia, com quebras mais destacadas na praça financeira global de Hong Kong (o índice Hang Seng recuou mais de 6% na semana) e nas bolsas da Índia e Paquistão. No conjunto da região asiática, o índice MSCI respetivo perdeu 3,8% durante a semana, quase o dobro da quebra no conjunto das bolsas europeias (2%).
O índice Eurostoxx 50 – das 50 principais cotadas da zona euro – desceu 2,5%. Duas das cotadas europeias mais expostas à Rússia, a Prosus holandesa (que investiu na VK russa e é a divisão internacional de ativos de Internet da multinacional sul-africana Naspers) e a alemã BASF desvalorizaram mais de 10%. Em Lisboa, o PSI 20, recuou 2% durante a semana em linha com o conjunto europeu.
Ainda relativamente longe da onda de choque, as bolsas de Nova Iorque mantiveram-se acima da linha de água, com um ganho global de 0,9% durante a semana. O Nasdaq das tecnológicas destacou-se com uma subida de 1%, mas o Dow Jones, das trinta principais cotadas mundiais, caiu ligeiramente.
Impacto da geopolítica não é linear, diz a história
O regresso da guerra às fronteiras da Europa não tem um impacto linear nos mercados financeiros. O caso mais estudado abrange a fase imediatamente anterior à Segunda Guerra Mundial e o desenrolar desta, sobretudo depois de Hitler ter iniciado o plano de expansão alemão. A operação iniciou-se com a anexação da Áustria em março de 1938 e depois com a invasão de parte da Polónia em setembro de 1939. Nesse período, o Dow Jones em Nova Iorque ainda registou ganhos em 1938 (28%) e só começou a quebrar em 1939 (descida de 2,9%), enquanto, em Frankfurt, o índice DAX compósito (iniciado em 1933) entrou numa escalada de ganhos em 1939, no que ficou conhecido como a euforia bolsista alemã em torno do blitzkrieg nazi, e só parou em 1941, registando uma subida acumulada de 60%. Depois estagnou, sobretudo depois da derrota nazi na batalha de Estalinegrado, até ao fecho da bolsa em agosto de 1944. Hitler só se suicidou em abril de 1945.
Em Nova Iorque, o Dow Jones só começou a registar perdas severas em 1940 (quebra de 13%) e 1941 (perda de 15%) até que atingiu o fundo do poço em maio de 1942, iniciando um ciclo de subida depois da vitória norte-americana na batalha de Midway contra os japoneses no Pacífico. Em Londres, o índice perdeu 37% entre o segundo trimestre de 1937 (quando os japoneses avançaram com a invasão global da China onde a Inglaterra tinha posições económicas e financeiras relevantes nomeadamente em Xangai) e o terceiro trimestre de 1940, depois da Royal Air Force ter afirmado superioridade em relação aos raids alemães sobre Inglaterra. O ciclo de subidas em Londres inicia-se na parte final de 1940 e duraria até 1961.
Choque nas matérias-primas agrava risco de inflação
Apesar de a subida do índice global CRB ter sido modesta durante a semana, algumas matérias-primas registaram aumentos das cotações acima de 3% em apenas cinco sessões: gasolina e gasóleo e, nos produtos agrícolas, o trigo e o arroz. A Rússia e a Ucrânia produzem 30% do trigo mundial.
O nervosismo no mercado energético traduziu-se nomeadamente na subida do preço do barril de Brent, de referência europeia, até um pico de 105,8 dólares no dia da invasão, um máximo de oito anos, tendo fechado em 94,5 dólares, um aumento de 1% em relação ao fecho na semana anterior. Os investidores viram, agora, a atenção para a reunião do cartel da OPEP no dia 2 de março e do grupo mais alargado, designado por OPEP+, que inclui a Rússia.
As matérias-primas já levam um aumento desde início do ano de 14%, depois de um disparo de quase 39% no ano passado. Paralelamente, os analistas sublinham que os preços dos fretes marítimos vão voltar a subir e as disrupções nas cadeias de fornecimento global vão continuar, agravadas agora pelos problemas com o gás natural e alguns produtos agrícolas.
O impacto sobre a inflação nos preços na produção e no consumidor vai continuar, pressionando os bancos centrais para a continuação do aperto da política monetária num quadro em que uma nova guerra na Europa ameaça descarrilar a recuperação económica da crise de 2020. A inflação mundial em 2021 subiu para 4,4%, mais de 1 ponto percentual acima do ano anterior. A expetativa dos analistas centra-se nas próximas previsões macroeconómicas do Banco Central Europeu (BCE), a 10 de março, e da Reserva Federal norte-americana, seis dias depois. O Fundo Monetário Internacional (FMI) avança com novas previsões na assembleia geral entre 18 e 24 de abril.
No entanto, há um conjunto de outras reuniões de bancos centrais em março que vão ser escrutinadas pelos investidores: Banco da Reserva da Austrália no dia 1, Canadá no dia 2, Banco de Inglaterra a 17, Banco do Japão e da Rússia a 18.
Juros da dívida pública continuam a subir
O mercado da dívida pública sofreu um agravamento esta semana, a começar pelos principais envolvidos na guerra.
Na Rússia, as taxas de curto prazo escalaram, sendo mais elevadas do que as de médio e longo prazo. A 6 meses, os juros subiram para quase 18%, enquanto no prazo de referência a 10 anos aumentaram de 9,75% na semana anterior à invasão para 12,1% no fecho de sexta-feira. As previsões apontam para 19% em dezembro. Na Ucrânia a taxa a 12 meses mais do que duplicou em cinco sessões: de 13% para 29%.
Os seguros contra o risco de uma bancarrota – tecnicamente designados por credit default swaps – na Rússia subiram 100 pontos-base (1 ponto percentual) entre segunda e sexta-feira, sendo os mais elevados no mundo depois da Turquia.
A Ucrânia está a funcionar na base de uma ajuda financeira do FMI autorizada num montante de 5,3 mil milhões de dólares (4,7 mil milhões de euros), em que falta desembolsar uma tranche de 2 mil milhões de dólares (1,8 mil milhões de euros). O presidente ucraniano pediu, esta semana, ajuda de emergência ao Fundo e Kristalina Georgieva, a búlgara que chefia o FMI, prometeu “apoiar a Ucrânia por todos os meios possíveis”. Kiev tem quase 11 mil milhões de dólares (cerca de 10 mil milhões de euros) em reembolsos a fazer ao FMI até 2026. O banco central da Ucrânia tem uma reunião agendada para 3 de março.
A zona euro, protegida pelo chapéu de chuva do BCE, registou aumentos ligeiros das taxas. No caso das obrigações do Tesouro português a 10 anos, os juros subiram de 1,09% a 18 de fevereiro para 1,1% no fecho de sexta-feira. No caso das obrigações alemãs, que servem de referência, a subida foi de 0,2% para 0,22% no mesmo período. No entanto, desde o final de janeiro, o spread (diferencial) entre a dívida portuguesa e a alemã de longo prazo subiu de 61 para 88 pontos-base (de pouco mais de seis para quase nove décimas). Espanha continua a ter taxas e spreads superiores às portuguesas. As economias do Leste, fora do euro, registam juros entre 3% (Chéquia) e 5,9% (Roménia).
Os ativos de que a Rússia dispõe valem 90% do PIB
Para enfrentar os impactos na própria economia russa da invasão da Ucrânia e das sanções, Moscovo dispõe de 630 mil milhões de dólares (558 mil milhões de euros, dados de 31 de janeiro) em reservas cambiais e em ouro. Elas aumentaram quase 40 mil milhões de dólares (mais de 35 mil milhões de euros) nos últimos doze meses, sublinha ao Expresso Daniel Treisman, especialista na economia russa, professor na Universidade da Califórnia em Los Angeles
O autor de “A Nova Autocracia” e diretor do projecto Russia Political Insight refere, ainda, outros amortecedores, como o Fundo Soberano russo, que dispõe de 185 mil milhões de dólares (164 mil milhões de euros) e os ativos do Banco Central, avaliados em cerca de 647 mil milhões de dólares (574 mil milhões de euros). Bruxelas admite congelar as transferências do banco central russo.
No conjunto, a soma destes ativos está perto de 1,5 biliões de dólares, 91% do PIB russo registado no ano passado.
O Banco Central da Rússia, que procedeu a sete subidas da taxa diretora em 2021, ainda não decidiu nenhuma alteração da política monetária em 2022. A taxa diretora está em 8,5%, depois de ter aumentado 4,25 pontos percentuais no ano passado. O banco reúne-se a 18 de março.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL