Os riscos sociais foram aqueles que mais cresceram durante a pandemia e que ensombram o futuro do planeta, mas os temas ambientais formam outra grande nuvem negra que paira no horizonte, acusam os líderes mundiais, num relatório do Fórum Económico Mundial publicado esta terça-feira. No mesmo documento, intitulado “Global Risks Report”, os líderes portugueses apontam como as cinco principais preocupações diferentes questões sociais, deixando de fora os receios em relação ao clima.
As conclusões do Fórum Económico Mundial têm em consideração a auscultação feita a um conjunto de empresários, gestores, governantes, académicos e outros inquiridos da sociedade civil, contando com um total de mais de 900 participantes.
Nos próximos cinco anos, “os riscos sociais e ambientais como os mais preocupantes”, lê-se no sumário executivo do Relatório Global de Riscos 2022, que avalia a perceção dos líderes mundiais quanto aos maiores riscos que anteveem. E estes dois riscos alimentam-se mutuamente. “Não os podemos dissociar. Os riscos sociais são grandemente afetados pelos ambientais”, diz ao Expresso Fernando Chaves, especialista de risco da Marsh McLennan Portugal – um dos parceiros do FEM na elaboração do relatório, tal como o Zurich Insurance Group. E sublinha que “muitas das medidas que venham a ser tomadas no âmbito ambiental terão um impacto fortíssimo a nível económico, social e geopolítico”.
A relação é simples, de acordo com Edgar Lopes, o responsável de risco da Zurich Portugal. Episódios climáticos extremos podem ter um efeito avassalador e implicar reconstrução de património ou migração de pessoas. Podem abalar cadeias de valor. Podem marcar mais as diferenças entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, na capacidade que cada um tem de lidar com as situações.
Em paralelo, acrescenta Fernando Chaves, “a economia normal já não vive sem o ambiente”, uma vez que depende de matérias primas às quais podemos deixar de ter acesso em situações de eventos catastróficos, mas “muitas das medidas que venham a ser tomadas no âmbito ambiental terão um impacto fortíssimo a nível económico, social e geopolítico”. O corte com o carvão e outros combustíveis fósseis é exemplo disso mesmo.
Esta pode parecer mesmo a história do ovo ou da galinha: se as medidas ambientais têm consequências económicas e portanto também sociais, mas ao mesmo tempo servem para evitar problemas sociais mais graves, como enfrentar este dilema? “Se só nos preocuparmos com a componente económica sem olhar para o ambiente, o planeta pode responder com ocorrências e riscos que vão ser descontrolados”, defende Fernando Chaves. Neste sentido, entende que são precisas coragem e sensatez nas medidas. A sociedade habituou-se a um estilo de vida do qual terá de prescindir, em parte, no curto-prazo, “se queremos ter planeta no médio e longo prazo”, diz. E acredita que os esforços ambientais, no longo-prazo, vão ser positivos para a qualidade de vida.
Para já, “erosão da coesão social”, “crises de subsistência” e “deterioração da saúde mental” são os riscos, de caráter social, que são percecionados como aqueles que mais pioraram desde o início da pandemia. E o “fracasso da ação climática” é identificado como a ameaça número um de longo prazo a nível global, ao mesmo tempo que ganha o título de risco com impactos potencialmente mais severos na próxima década. Mas também na lista de riscos de curto-prazo aparece em terceiro lugar, enquanto o primeiro é ocupado por “clima extremo”. São separados por “crises de subsistência”, e o quarto lugar fecha com “erosão da coesão social”. Até cinco anos, são os mesmos a ocupar os lugares cimeiros, mas os temas do clima impõem-se à frente dos sociais.
Clima “passa ao lado” dos portugueses. Ciberameaças desvanecem aos olhos do mundo
Os líderes portugueses que participam no relatório identificam cinco riscos como os principais no curto-prazo, e nenhum se relaciona com o clima. A lista contém estagnação económica prolongada, as crises de dívida nas grandes economias, crises de emprego, desigualdade digital e colapso ou falta de sistemas de segurança social. O clima não aparece. “É estranho”, reconhece Edgar Lopes, relembrando que Portugal é apontado como um dos países que mais poderá sofrer com as alterações climáticas.
“No mais curto espaço de tempo, os outros riscos acabaram por ganhar maior importância. Portugal é especialmente afetado pelos incêndios, mas o último ano foi menos grave em termos do número de mortes. Em relatórios anteriores, os fatores ambientais surgiram com maior força”, justifica Fernando Chaves.
Mas este distanciamento face aos riscos ambientais não vai prejudicar o país no seu futuro? Edgar Lopes acredita que existem forças a compensar. Em primeiro lugar os critérios de sustentabilidade associados aos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, em segundo a crescente proeminência dos critérios ambientais, sociais e de governança no mundo financeiro e por fim a exigência das novas gerações nestas temáticas.
No entanto, não é só a nível nacional que alguns riscos são deixados de parte. Riscos tecnológicos – como “desigualdade digital” e “falhas de cibersegurança” – são identificados também como ameaças críticas de curto e médio prazo a nível mundial, mas nenhum aparece entre os potencialmente mais graves no longo-prazo, “sinalizando um possível “ponto cego” nas perceções de risco”, lê-se no sumário, o mesmo que diz que “as ameaças à cibersegurança estão a crescer – em 2020, os ataques de malware e ransomware aumentaram em 358% e 435%”.
“Inteligência artificial”, “exploração do espaço”, “ciberataques transfronteiriços e desinformação” são algumas das áreas em que a maioria dos entrevistados acredita que o estado atual dos esforços de mitigação de risco está aquém do desafio.
Há um novo risco a considerar
“Exploração do espaço” apareceu há uns anos, noutros relatórios semelhantes – o FEM fá-los anualmente há 17 anos – como “choque futuro”. “Hoje já não é só um risco potencial, é um facto que o espaço passou a estar na agenda”, aponta Fernando Chaves, para depois reforçar: “É um capítulo a que devemos dar particular atenção, não é ficção científica”. Este não está entre os 10 maiores riscos em nenhum horizonte temporal, mas começa a ser mencionado. Com uma liderança global de regulação do espaço limitada e desatualizada e, em paralelo, com políticas divergentes a nível nacional, os riscos estão a intensificar-se, diz-nos o relatório.
Entre os problemas levantados, nota-se que o aumento da atividade espacial pode levar a impactos ambientais desconhecidos ou aumentar os custos de bens públicos, como a monitorização do estado do tempo ou a vigilância das alterações climáticas. Um maior número e variedade de atores a operar na indústria espacial pode gerar atritos se a exploração e aproveitamento do espaço não forem geridas de forma responsável. Questões como a defesa e telecomunicações também podem estar comprometidas com uma má gestão deste espaço.
No meio de tantos riscos, é fácil ficar pessimista. O relatório assinala que apenas 16% dos inquiridos se sentem positivos e otimistas sobre as perspetivas para o mundo e apenas 11% acreditam que a recuperação global vai acelerar. Mas o risco não tem de ser negativo – pode ser visto como uma oportunidade, ressalvam estes especialistas. É usá-los no sentido de melhorar, diz Edgar Lopes.
Por outro lado, a pandemia serviu para aumentar o grau de consciencialização para a gestão de risco passar a ser mais preventiva do que reativa e “demonstrou que apesar das diferenças, quando ocorre um evento à escala global, de certa maneira à escala global também respondemos”, salienta Fernando Chaves, que acredita que é necessária – e difícil – este nível de alinhamento nos desafios que aqui foram sendo descritos, mas sublinha que a ação a nível local não deve ser abandonada.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL