Nos últimos 18 meses, mais precisamente desde que fraturou a bacia numa queda horrenda na Volta à Lombardia, muito se escreveu – aliás, como acontece desde que, há três anos, se converteu no ‘prodígio’ favorito do ciclismo mundial – sobre o futuro do jovem de 22 anos que, no domingo, se sagrou vencedor, pela segunda vez, da Volta ao Algarve, com os mais céticos a duvidarem que a ‘prometida’ carreira idílica do belga será aquilo que poderia ter sido.
“São notícias que nós, com todo o respeito, ignorámos. Tínhamos era que – e acho que é o que estamos a fazer – concentrar-nos, e ele concentrar-se, na sua recuperação física como ser humano. E, depois, no ‘timing’ certo, na sua recuperação como atleta. Foi isso que fizemos. Aquilo que as pessoas dizem, especulam, vale pouco, não é? Naquilo que nos concerne, não investimos tempo a ouvir esse tipo de ‘trend’”, revela à agência Lusa o diretor técnico e de desenvolvimento da formação belga.
O português que “orquestra a bem oleada máquina que é a Quick-Step Alpha Vinyl” (a descrição pertence à sua biografia na página da equipa) desvaloriza as teorias pessimistas sobre o futuro do vencedor da 48.ª ‘Algarvia’, mas também aquelas que descrevem o mais jovem ciclista belga em quatro décadas a somar 25 vitórias profissionais como um fenómeno.
“Nós, internamente, não vivemos nesse contexto. É um dos líderes da equipa e é tratado como tal. Temos expectativas como temos para todos os nossos 30 corredores, mas essa expectativa é construída com o passar do tempo. Não estamos aqui a fazer filmes que vai fazer isto ou aquilo…”, assevera.
Ricardo Scheidecker afasta ainda as recorrentes comparações entre Evenepoel e aquele que, quase unanimemente, é considerado o melhor corredor de todos os tempos, lembrando que “Eddy Merckx foi um e não vai haver mais nenhum”.
“Ele vai ser o Remco Evenepoel, que está a consolidar o seu crescimento, tem 22 anos. É ainda um miúdo. E nós não estamos aqui a pensar naquilo que ele vai fazer. Estamos a pensar é em prepará-lo para poder ganhar corridas e descobrir as suas qualidades – e tem-nas, já demonstrou isso. E vamos continuar a trabalhar nelas. Depois, se ganha, se não ganha, o futuro o dirá. Não sou futurologista… a vida não tem ‘ses’. Os ‘ses’ são coisas do passado, não se pode voltar para trás…”, avalia.
O sempre discreto (e ponderado) diretor técnico da melhor equipa do mundo, que prefere ficar na ‘sombra’ nos ‘bastidores’ das provas, reitera que “aquilo que as pessoas pensam, especulam, a pressão e as expectativas que têm” quanto ao jovem corredor é indiferente para a estrutura técnica da Quick-Step Alpha Vinyl.
“Nós não temos de viver em função das expectativas das pessoas. Nós vivemos em função do que sabemos, do nosso trabalho com os corredores e com o Remco. É evidente que ele, de caráter, é um vencedor, como muitos desportistas de alto nível. Acho que se não o fosse, não faria este trabalho. Já quando era futebolista, tinha demonstrado isso. Ele tem um caráter vencedor, gosta de ganhar, trabalha para poder ganhar”, enumera à Lusa.
Descrito pelos seus companheiros, nomeadamente pelo experiente Mark Cavendish, como “um verdadeiro líder”, Evenepoel ainda terá, na opinião de Scheidecker, de confirmar essa aptidão natural.
“Essas qualidades têm de ser desenvolvidas e aperfeiçoadas, porque mesmo que a pessoa tenha potencial para ser um líder, pode nunca vir a ser. É como eu digo: ‘life is about experience’ [a vida é feita de experiência] e esse processo de crescimento está a acontecer. É evidente que ele é um dos líderes da equipa e cada vez se comporta mais como tal, mas nós também temos de compreender que ele tem 22 anos e que há que dar tempo ao tempo, com a necessária serenidade e viver um dia de cada vez”, conclui.