Amaro Antunes, o algarvio que “nasceu para ser uma estrela”, cumpriu hoje o seu destino ao ganhar a edição especial da Volta a Portugal em bicicleta, consumando, finalmente, a aspiração antiga de ser um líder.
A conquista da amarela final numa edição, mais curta, marcada pela pandemia de covid-19, é o desfecho natural para uma carreira construída, com determinação e ambição, por um ciclista de ataque, destemido, e sempre insatisfeito com o papel de ator secundário nas diferentes equipas por onde foi passando.
“Quando ele tinha 21, 22 anos, e começou a aparecer como ciclista, lembro-me de, a certa altura, quando ele me acompanhava e me perguntavam quem era aquele rapaz, responder: um dos próximos vencedores da Volta a Portugal”, contou Samuel Caldeira à agência Lusa.
Amigo, colega na W52-FC Porto, companheiro de quarto – “Divido o quarto com o Amaro todo o ano, do início até ao fim, inclusive nos estágios. Ele substitui a minha mulher quando não está presente e eu substituo a dele” – e, inclusive, seu padrinho de casamento, o homem rápido e gregário de luxo dos ‘dragões’ conhece o novo vencedor da Volta a Portugal desde que ele se iniciou no ciclismo.
“Na altura, eu era sub-23 em Loulé, e ele era júnior lá. E, pelo facto de sermos os dois do concelho de Vila Real de Santo António, havia aquela proximidade. Acompanhei toda a carreira dele, como profissionais, fomos colegas em Tavira e tudo. Entretanto, fomos criando uma laço de amizade bastante forte”, revelou, garantindo, à Lusa, que Antunes “nasceu para ser uma estrela”.
Caldeira não foi o único a reparar no potencial do trepador de Vila Real de Santo António. Há quase uma década que o nome de Amaro Antunes ressoa nos bastidores da caravana como um potencial vencedor da Volta a Portugal, uma ‘fama’ nascida quando ainda era júnior e foi campeão nacional de fundo e de contrarrelógio em 2008, ano em que ‘limpou’ quase todas as provas em que participou.
Profissional desde 2011, aventurou-se pela primeira vez lá fora na Ceramica Flamínia-Fondriest, a equipa italiana que era um ‘viveiro’ de talentos, mas que foi um sonho frustrado para os portugueses que por lá passaram, abandonados à sua sorte pelos seus patrões.
Individualista q.b., nem sempre consensual, o algarvio regressou a Portugal e nunca escondeu que queria mais, primeiro no Banco Bic-Carmin (2014), depois na LA Aluminios-Antarte (2015 e 2016) e, posteriormente, na W52-FC Porto, equipas onde se destacou, sem nunca ser verdadeiramente o único chefe de fila, e somou lugares no ‘top 10’ da Volta a Portugal.
Foi essa ambição que o levou a dar o salto para o estrangeiro, para a CCC, em 2018, depois de vencer no alto do Malhão e ser quinto na Volta ao Algarve ganha por Primoz Roglic, de vencer o Troféu Joaquim Agostinho, ocupar o segundo lugar do pódio na Volta de 2017 e de ‘esmagar’ a concorrência, juntamente com o vencedor Raúl Alarcón.
Na equipa polaca, deu nas vistas, com lugares de relevo e a vitória na Volta a Malopolska, contudo, foi no ano seguinte, quando a CCC ascendeu ao WorldTour, que o trepador português mais se destacou: esteve durante seis dias no ‘top 10’ do Giro, onde foi mesmo terceiro na 19.ª etapa, antes de ser relegado dos planos dos seus diretores para os grandes palcos.
“Para ser sincero, foi opção minha regressar. Foi uma experiência muito boa e enriquecedora. Agora é pensar neste ano e desfrutar o máximo possível. Espero que seja um ano brilhante”, contou à Lusa em fevereiro, na Volta ao Algarve.
De regresso a casa e a uma equipa com a qual se identifica, Antunes encontrou o rumo para a primeira vitória na Volta a Portugal, palco maior da expressão das suas qualidades de ‘natural born star’.
“Dá-se muito bem com os microfones, tem um à vontade muito grande quando lhe metem um microfone à frente da boca, fala com naturalidade e fala bastante bem. Isso é um dom que ele tem. Não se acanha, não se intimida, tem sempre um discurso bom e fluído. Ele dá um bom político”, brincou Caldeira.
Ao “rapaz bastante amigo do amigo”, o experiente ciclista ‘dragão’ só encontra um defeito: “é bastante distraído, bastante esquecido, e tem-se de estar sempre muito pendente dele para que não haja nenhuma falha, para que tudo saia bem”. Felizmente, hoje, tudo saiu bem.