As religiões, como as línguas, são elementos centrais na definição de uma cultura, tema recorrente no actual debate sobre “valores civilizacionais” e as causas dos conflitos.
Na visão do “homo religiosus” nada do que existe é natural, mas uma criação divina. O céu, as constelações, o sol e a lua, a pedra e o rio, as estações do ano, a fertilidade da terra-mãe, os humanos e as outras espécies, tudo é sacro e transcendente.
“No centro encontram-se dois eixos: o sagrado e o símbolo” escreveu Mircea Eliade (1907-1986), nos seus estudos sobre religiões e comportamentos religiosos. A História das Religiões e das Religiões Comparadas, procura análises não influenciadas pelas convicções do investigador.
A Teologia, o estudo de Deus, centra-se na fundamentação e interpretação filosófico-normativa de uma determinada religião. Em várias épocas as religiões obtiveram reconhecimento e engrandeceram-se pela capacidade de teorização e argumentação dos teólogos.
A Sociologia da Religião, trata o fenómeno social religioso, as crenças e as práticas, contém a sociografia, quantificação das dimensões espaciais, demográficas, através de conquistas e colonizações o cristianismo e o islamismo expandiram-se para regiões exteriores às origens geoculturais, sendo o judaísmo exclusivamente étnico.
As religiões emergentes afirmaram-se pela diferenciação, absorção e incorporação de cultos preexistentes, usando idênticos conceitos.
Existe um substrato mediterrânico ancestral anterior ao surgimento da civilização helénica, o culto das deusas-mãe, da fertilidade, o ciclo geração/regeneração que se prolongou nas sociedades subsequentes…
Vários autores referem a luta contra a fome e a descoberta da agricultura como origem dos cultos agrários da Antiguidade. Deméter, deusa grega das estações do ano, da fertilidade e das colheitas foi entre outros exemplos, uma explicação mística e pedagógica do mundo natural. Quando Perséfone, a irmã, deusa das flores e dos perfumes, foi raptada por Hades, deus da morte e da escuridão, Deméter mandou parar o crescimento das plantas, logo surgiu a fome. O acordo com o raptor estabeleceu que Perséfone ficaria três quartos do ano com a irmã e Hades com o restante período, isto é, durante o inverno, tempo frio, chuvoso e escuro.
O Panteão dos deuses gregos e romanos, genealógico, extenso e pleno de vivências dramáticas, teve a função de explicar as leis da natureza, os comportamentos humanos, o significado da vida.
O festival dedicado a Deméter eram as “Eleusinas”, o seu equivalente romano a “Cerealia” celebrava a deusa Ceres, ocorria no início da Primavera e durava sete dias, tal como hoje continuam a ser celebradas as festividades pascais inseridas nos calendários religioso e civil.
As religiões da Lusitânia no período pré-romano, foram investigadas no século XVI por André de Resende (1500-1573), teólogo e arqueólogo, e pelo monge Frei Bernardo de Brito (1569-1617) historiador alcobacense e de Cister. A partir do iluminismo e do romantismo novecentista, surgiram tentativas de explicação científica das origens da nacionalidade e da “raça” e celebrações ideológico-nacionalistas e místicas de acontecimentos e figuras históricas.
A história e cultura portuguesas foram sempre questionadas e polémicas, Alexandre Herculano defendeu a inexistência de qualquer vínculo entre a sociedade portuguesa e as tribos que habitaram a Península, Portugal é segundo Herculano “uma realidade medieval da Reconquista”.
Opositor das ideias de Herculano, José Leite de Vasconcellos (1858-1941), médico, etnógrafo, arqueólogo, defendeu a relevância das religiosidades locais no artigo “O deus lusitano Endovellico” (1890), iniciando “As religiões da Lusitânia”, obra em três volumes (1913).
Moisés Espírito Santo, sociólogo e etnólogo das religiões em “As origens do cristianismo português” fundamenta a matriz oriental e norte-africana do esoterismo ibérico, a influência de Astarté, deusa fenícia da lua e da fertilidade. A continuidade de simbologias aparece em diferentes épocas e religiosidades.
A ascensão e institucionalização do cristianismo na Península Ibérica ocorreu no período da colonização romana. O Concílio de Eliberi ou Elvira no séc. IV, perto de Granada, foi a primeira reunião magna da alta hierarquia cristã na Península Ibérica, reuniu 40 dioceses africanas e peninsulares, com presença entre outros dos bispos de Ossonoba/Faro, de Évora e Mérida.
A origem mística de Portugal, contida no mito fundador do aparecimento de Cristo a Afonso Henriques em Ourique, convive a partir do século XIX com a história científica e o racionalismo.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia