A Medalha de Ouro para a categoria de Design e Artes Decorativas [Gold Medal for Craft and Design] inclui um prémio monetário de 5 mil libras [6 mil euros], mas é o reconhecimento da obra que a artista de 44 anos mais valoriza.
Com origens que remontam a 1861, o National Eisteddfod é um dos maiores festivais culturais europeus, atraindo cerca de 160 mil visitantes ao longo de uma semana de concertos, debates, exposições e outras manifestações tradicionais dedicados à língua e tradições galesas.
“Penso que só duas ou três pessoas ganharam duas vezes o prémio desde que o festival existe. É muito significativo, porque no País de Gales é um prémio muito importante e é extremamente relevante para a validação do meu trabalho”, disse a artista à Agência Lusa.
As peças, explicou, remetem para “guerreiras que representam o espírito feminino e são inspiradas na mitologia grega, celta ou irlandesa, as lendas e magia que estão muito presentes na história do País de Gales”.
Nesta série identifica também a própria herança socio-cultural da arte sacra, que observava nas igrejas que frequentava com a família em Portugal.
“Não sou católica praticante, mas esta espiritualidade esteve sempre presente na minha vida. As figuras são quase como aquelas que se vêem em igrejas portuguesas, mas com significado mais pagão, celta, mitológico”, afirmou.
Uma das peças da série que se destacam é intitulada “Blodeuwedd”, uma representação de uma figura mítica criada a partir de flores encontrada no Mabinogi, um manuscrito medieval que reúne várias lendas galesas.
Em homenagem, Natália Dias criou uma cabeça de cerâmica finalizada com vidrado verde e coroada por uma crista de folhas e flores, decoração na qual usou o estilo que caracterizam o trabalho do compatriota Raphael Bordallo Pinheiro (1846-1905), técnica desenvolvida pelo francês Bernard Palissy (1509-1590).
“Esse estilo das terrinas e pratos de Bordallo Pinheiro sempre me inspirou”, disse à Lusa, referindo-se a um estilo bastante vistoso e requintado, que contrasta com a tendência moderna para uma cerâmica “mais minimalista”.
Esta série de cabeças, feitas em 2019 e 2020, foram criadas numa altura em que se falava muito de protestos ambientais e da ativista sueca Greta Thurnberg, contou.
No passado, a portuguesa fez peças com metamorfoses de órgãos humanos em plantas ou com referências a catástrofes naturais, como derrames de crude, um reflexo das próprias observações e emoções e do interesse omnipresente na natureza.
“O mais visceral do trabalho vem de Portugal e o mais natural, de plantas e do verde, da mitologia e histórias, vem do País de Gales”, resumiu a artista baseada em Cardiff.
Natural do Funchal, na Madeira, Natália Dias cresceu em Almeirim e inicialmente trabalhou como ‘chef’ de cozinha, mas deixou para trás esta carreira para estudar restauro de arte e património, ainda em Portugal.
Em 2001, decidiu aprofundar os estudos na Universidade de Portsmouth, no sul de Inglaterra, onde teve o primeiro contacto com a cerâmica, a qual a fez mudar novamente de direção e tornar-se artista.
Depois de uma passagem pela Irlanda, estabeleceu-se no País de Gales, onde completou uma licenciatura, e com os trabalhos de curso ganhou a primeira medalha de ouro do National Eisteddfod, em 2010.
Em 2007 ganhou o primeiro prémio Design4Science, que abriu uma exposição na Suécia, e em 2014 foi-lhe atribuída uma bolsa Creative Wales Award pelo fundo de apoio à cultura Arts Council of Wales.
Atualmente faz parte do coletivo Fireworks Clay studios, juntamente com outros 15 ceramistas britânicos e internacionais, com os quais partilha as instalações, equipamento e a organização do espaço.
Em Portugal, já participou duas vezes na Bienal Internacional de Cerâmica Artística de Aveiro, mas gostaria de reforçar os laços com o país, tendo como projeto abrir um estúdio em Arcos de Valdevez, perto do Parque Nacional da Peneda Gerês, que compara à paisagem galesa.