Num poema de 1915, Alberto Caeiro, o primeiro dos heterónimos de Fernando Pessoa, alinhou estes versos:
À primeira vista, esta radical recusa biográfica também se poderia aplicar ao próprio Fernando Pessoa, que durante os seus 47 anos de existência só viveu em duas cidades (Lisboa e Durban), nunca se casou, pouco interagiu socialmente fora do círculo restrito das tertúlias literárias, saltou entre biscates como empregado de escritório, afundou-se aos poucos no alcoolismo, e não deixou prole nem grande património, a não ser os mais de 25 mil papéis guardados na sua mítica arca — de onde aos poucos emergiu uma obra gigantesca, fragmentária, genial, e à hora da morte quase integralmente inédita, que lhe garantiu a tantas vezes sonhada “glória póstuma”.
Ao deitar mãos ao projeto de escrever uma biografia do “sempre esquivo” Fernando Pessoa, Richard Zenith, um académico norte-americano (Washington D.C., 1956) que vive há mais de 30 anos em Portugal, grande parte deles dedicados ao estudo, edição e tradução do maior escritor português do século XX (trabalho que lhe valeu o Prémio Pessoa em 2012), sabia que o seu trabalho seria tudo menos ‘simples’.
Embora enalteça o papel de João Gaspar Simões, por ter arriscado uma extensa abordagem biográfica de Pessoa logo em 1950, apenas 15 anos após a morte do poeta, numa altura em que ainda era pouco evidente a verdadeira importância da sua obra, Zenith aponta a essa primeira tentativa um número considerável de erros factuais, à mistura com intuições certeiras, alguns deles mais tarde repetidos noutras biografias (como a de Ángel Crespo, de 1988, muito focada na faceta ocultista; ou a de Robert Bréchon, “Estranho Estrangeiro”, de 1996, com uma visão assumidamente literária).
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL