A poesia portuguesa perdeu uma das suas vozes mais singulares com o falecimento de Adília Lopes, pseudónimo de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, ocorrido a 30 de dezembro de 2024, aos 64 anos. Com um estilo único, irreverente e profundamente humano, Adília Lopes marcou a literatura contemporânea com uma obra que desafiou convenções e tocou o quotidiano de forma inusitada.
Uma vida na poesia
Nascida a 20 de abril de 1960, em Lisboa, Adília Lopes escolheu a escrita como meio de expressão desde cedo. A sua poesia, muitas vezes descrita como despretensiosa e coloquial, é um reflexo da sua capacidade de transformar o banal em extraordinário. Adília abordava temas quotidianos com uma abordagem que os tornava universais, jogando com a simplicidade das palavras para alcançar profundidades inesperadas.
Ao longo de mais de três décadas, publicou dezenas de obras que atravessaram fronteiras linguísticas e culturais. Títulos como “Um Jogo Bastante Perigoso”, “Irmã Barata, Irmã Batata”, “Manhã”, “Bandolim” e “Dias e Dias” tornaram-se marcos de uma carreira literária que fugia a rótulos fáceis. A sua poesia foi traduzida para várias línguas, permitindo que a sua voz única ecoasse além de Portugal.
Uma voz irreverente e intimista
Adília Lopes encontrou na poesia uma forma de questionar convenções sociais e culturais, misturando humor, melancolia e uma perspetiva aguda sobre a condição humana. A sua escrita brincava com a linguagem, mas sempre com um propósito profundo, revelando as camadas invisíveis do mundo que nos rodeia. Inspirada por poetas como Sophia de Mello Breyner Andresen e Ruy Belo, Adília foi uma pioneira no uso de uma voz que mesclava o íntimo e o coletivo.
O Legado de Adília
Mais do que uma poetisa, Adília Lopes foi uma força criativa que deixou uma marca indelével na literatura portuguesa. O seu trabalho transcendeu géneros, ligando o humor à tragédia, o quotidiano ao eterno, e o simples ao complexo. A sua obra continua a ser estudada e celebrada por académicos, leitores e escritores, que veem em Adília uma inspiração para desafiar limites e explorar novas formas de expressão.
Despedida e memória
O velório de Adília Lopes realizou-se na Capela do Rato, em Lisboa, com uma missa celebrada pelo cardeal José Tolentino Mendonça, figura igualmente ligada à literatura e à espiritualidade. Num ato simbólico, o seu corpo foi sepultado no Cemitério dos Prazeres, junto a outras grandes figuras da cultura portuguesa.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recordou-a como “uma poeta única na sua geração”, destacando a forma como transformou a poesia em algo profundamente humano e acessível. A literatura portuguesa despede-se de Adília Lopes, mas a sua obra permanecerá viva, ecoando nas palavras que deixou e nas emoções que despertou.
Para sempre Adília
Adília Lopes escreveu para mostrar que o extraordinário pode ser encontrado nas coisas mais simples, que a poesia pode ser tão universal quanto íntima. A sua perda deixa um vazio, mas o seu legado literário será uma eterna celebração daquilo que ela mais prezava: a capacidade da palavra para iluminar o mundo.
Adília Lopes não foi apenas uma poetisa; foi uma revolução em palavras.
Gosto de me deitar
sem sono
para ficar
a lembrar-me
das coisas boas
deitada
dentro da cama
às escuras
de olhos fechados
abraçada a mim
Adília Lopes, Caras Baratas
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