O fadista José Manuel Ferreira lançou no passado mês de setembro o seu mais recente CD, intitulado “Espera”, uma homenagem ao poeta Pedro Homem de Mello com a colaboração da sua neta, a pintora Mariana Homem De Mello, que inclui dois temas da sua autoria, “Rapaz da Camisola Verde” e “Havemos de ir a Viana”.
O fadista, natural de Lisboa, é vocalista e cantautor desde os 16 anos. Ao longo de mais de 20 anos, no Barreiro, liderou bandas de originais e de música tradicional portuguesa.
Participou em três Grandes Noites do Fado no Coliseu dos Recreios, e e na Grande noite do Fado em homenagem a Amália Rodrigues no coliseu dos Recreios. Atuou ainda num festival de Fado na antiga Feira Popular de Lisboa em representação do Grupo Desportivo Adicense de Alfama e em inúmeros programas de televisão. Tem quatro 4 cds editados.
No Algarve, onde reside, reforçou a sua paixão pelas tradições portuguesas, integrou um grupo de Charolas e rendeu-se aos instrumentos e harmonias tradicionais, especialmente as castanholas. Em 2019 participou no Master Class Antena 1 e no Festival MED em Loulé, com Fado e castanholas.
O artista em discurso direto
“O meu Fado. É um Factum. Tudo começou no dia 12 de Novembro de 1960 com o meu nascimento, o José Manuel Ferreira. Depois de dois dias no antigo Hospital do Barreiro para nascer, a minha mãe teve de ser encaminhada de urgência a Lisboa para a maternidade Magalhães Coutinho (Maternidade do Hospital de S. José). O meu Pai, que vou chamar de biológico, por razões naturais, o Joaquim Lourenço, era por essa altura um grande Fadista de Setúbal. A minha mãe costumava dizer-me que ele era muito bom a cantar, mas que era muito mais vaidoso do que eu.
Quando eles se separaram eu tinha três meses de idade e por razões da própria vida, esta a que chamo um Fado, a minha mãe aceitou que eu ficasse com a sua irmã, no Barreiro e foi viver para Lisboa. Do meu pai biológico, sei que voltou a Setúbal nessa altura e vi-o apenas 3 vezes em 62 anos de existência. Uma das vezes quando tinha dois anos e veio oferecer-me um triciclo, que fez quilómetros e quilómetros, até partir um pedal, e numa outra vez tinha por volta dos 11 anos, quando estava no lavradio, na rua a brincar com uns amigos e ele se chega perto de mim silenciosamente e me pergunta: Qual é o melhor jogador? Ao que eu respondi, são todos bons. Depois voltou a respirar fundo e perguntou-me: “Sabes quem eu sou?”, respondi que sim. “Sou o teu pai, como sabias?” Reconheci-o pelas fotos, respondi. Levei-o então a casa da minha mãe (tia), que foi mostrar-lhe o meu quarto porque ele dizia que eu deveria de ser do Vitória de Setúbal. Logo, percebeu que não, espantado, já que por cima da cabeceira da minha cama, vivia um poster da equipa do Benfica.
Dez anos depois, fui a Setúbal procurá-lo para o convidar para o meu casamento, o que aceitou. Já no banquete, chegou a música, o meu amigo e guitarrista de banda desde jovem, infelizmente já falecido, tocou para eu cantar e depois foi a vez dele e pediu ao Veríssimo a viola para se acompanhar. Foi a primeira vez que o ouvi cantar e, …que voz, estremeci. A minha mãe (tia) fechou-se dentro da casa de banho a chorar, pois o meu pai biológico cantou um tema da sua autoria dedicado aos pais que me criaram, a minha tia e pai Pedro. Foi tenso, muito emocional, mas é Fado. E sendo assim, como podia ser eu, um fadista de corpo e de alma, como me sinto, se não vivi, ou convivi com ele? Só podia ser um factum biológico! Nunca mais o vi, nem dele tenho notícias.
Uns anos mais tarde, o fadista António Zeferino, também de Setúbal, foi o fadista convidado para a Noite de Fado Vadio, em Olhão, e nos bastidores perguntei-lhe se ele conhecia o Fadista de Setúbal, Joaquim Lourenço, ele disse-me que sim, que foram muito amigos e que ele era um grande fadista. Então eu disse-lhe que o Joaquim Lourenço era o meu Pai… O António Zeferino deu um passo atrás e incrédulo, retorquiu: “Tu és o filho do Joaquim Lourenço?” E claro deu-me um grande abraço e as suas histórias sobre o meu pai, que eu não conheci, colocaram-me no centro dessa infância e juventude que eu não vivi.
Ora o Fado é isto mesmo pensei eu e subi ao palco, recordando os meus quatro anos quando a minha mãe (tia) me encontrou a cantar o Fado da Despedida do Frei Hermano da Câmara, em cima de uma carpete vermelha, a dedilhar uma guitarra inventada, e ainda o meu pai adoptivo Pedro, que se escondia nos meus espetáculos para eu não o ver, e porque, nervoso, chorava de emoção. É a ele que sempre dedico o Rapaz da Camisola Verde, por ser do Sporting e por ele e minha mãe (tia) me terem amado fervorosamente.
Este CD “Espera” representa essa homenagem aos meus pais que me criaram, à minha mãe, porque apesar de não me ter criado, foi sempre presente e uma mulher forte e lutadora, e ao meu pai biológico porque afinal tatuou o Fado no meu sangue e alma”.