Não há dúvida que a cidade de Faro há muito que requer que se intensifique a sua ligação à água. É sabido que a actual doca de Faro é insuficiente para o número de embarcações existentes. A cidade precisa e merece um novo Porto de Recreio. A questão, portanto, não recai sobre se se deve ou não construir um novo Porto de Recreio, mas sobre a sua localização.
Em vez do local para onde foi aprovada a sua construção, existe uma alternativa totalmente sustentável, que permite um muito maior número de amarrações e que seria uma enorme mais-valia para a cidade, sem impactos negativos: o Cais Comercial.
Vejamos como tudo isto começou:
A intenção de construir um Porto de Recreio em Faro surgiu em 1998 quando a Junta Autónoma dos Portos do Sotavento Algarvio propôs a expansão das infraestruturas de apoio à náutica de recreio, devido à lotação insuficiente da doca, e ao estacionamento desordenado das embarcações em frente à cidade.
O projeto do Porto de Recreio da Faro a realizar na altura na zona das salinas Neves Pires, teve uma avaliação de impacto ambiental (AIA) negativa e parecer desfavorável do Secretário de Estado do Ambiente a 19/12/2000. Em 2001 é apresentado para AIA um novo projeto em que são propostas três alternativas de localização para o porto de recreio: 1: Doca de recreio de Faro; 2: Neves Pires ― modo de intervenção A; 3: Neves Pires ― modo de intervenção B. Em Março de 2005 a empresa Hidroprojecto apresentou um Estudo de Impacto Ambiental em que concluiu que a melhor alternativa para a localização é a alternativa 3. Porém, a Comissão de Avaliação designada para avaliar o projeto, composta por representantes do Instituto do Ambiente, do Instituto Português de Arqueologia, do Instituto de Conservação da Natureza, do Instituto da Água e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR Algarve), considerou em Outubro de 2005 que as 3 alternativas não eram compatíveis com os instrumentos de ordenamento do território em vigor.
Estranhamente, e contra os pareceres prévios, em 19/12/2005 o Secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, emitiu uma Declaração de Impacto Ambiental (DIA) favorável à alternativa 1.
Em 2017 a Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, nomeou um grupo de trabalho com o objetivo de apresentar o Plano de Ordenamento do Espaço afeto ao Porto Comercial de Faro e ao Cais Comercial que incluísse zonas destinadas a actividades específicas e diversificadas na área do Mar, nomeadamente infraestruturas ligadas à investigação científica, ao empreendedorismo no âmbito das actividades marítimas, ao recreio, ao desporto náutico e marítimo e ao turismo. A Avaliação Ambiental Estratégica deste plano, elaborada pela Universidade do Algarve, concluiu que a construção do novo Porto de Recreio de Faro na localização do actual Cais Comercial resulta em consequências muito positivas para o ambiente e desenvolvimento estratégico da região. Seria uma autêntica ExpoFaro!
Esta alternativa sustentável, foi apresentada com pompa e circunstância aos cidadãos, no Dia da Cidade de Faro, a 07/09/2018.
Como é possível que, agora, os decisores políticos iniciem o processo concursal para um projeto com efeitos desastrosos para o ambiente? Como é que se escolhe, de entre as alternativas possíveis, aquela que, já nessa época, era considerada a pior?! Por que motivo?!!! O que aconteceu para se esquecer a proposta do Cais Comercial que foi apresentada em 2017, pela então Ministra do Mar Ana Paula Vitorino?
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No passado dia 2 de Fevereiro teve lugar no hotel Wyndham na Quinta do lago, a conferência Capital Natural. Desafios do Desenvolvimento Sustentável. Esta iniciativa da Câmara Municipal de Loulé contou com muitas personalidades ilustres, incluindo o actual Ministro do Ambiente e da Acção Climática Duarte Cordeiro. Com a palestra intitulada O estado atual do nosso planeta. Quais os desafios do futuro?, Humberto Rosa, actual Diretor para a Biodiversidade da Direção-Geral do Ambiente da Comissão Europeia, foi o K-note speaker.
O nosso eurodeputado falou muito doutamente dizendo que degradamos a biosfera, poluímos a água e o ar, levamos ao extermínio muitas espécies, atulhamos o planeta de plástico, etc, etc. Insistiu em que é preciso regenerar o que degradámos, que os ecossistemas devem subjazer a tudo o que fazemos. Sugeriu também que o desenvolvimento sustentável, para que se possa manter indefinidamente no tempo precisa de tomar em consideração três camadas: a biosfera, a sociedade e a economia. Enfatizou que não se pode deixar ninguém para trás nesta transição, pois só assim se consegue o verdadeiro desenvolvimento. Mencionou o Pacto Ecológico Europeu e a importância de se criar uma “onda verde na opinião pública”, defendendo que a UE tem de liderar actos contra a perda da biodiversidade pois “a biodiversidade é o lubrificante dos serviços de ecossistemas.”
Pois foi justamente Humberto Rosa quem em 2005 assinou o despacho para a criação do novo porto de recreio de Faro que, na localização estabelecida, pode vir a tornar-se num crime ambiental porque planeia dragar uma área de 7 hectares de pradarias marinhas, libertando CO2 para a atmosfera equivalente à emissão de um incêndio de 200 hectares de floresta, destruindo o habitat de muitas espécies que utilizam estas pradarias marinhas como berçário, destruindo totalmente a biodiversidade aí existente! Face aos conhecimentos actualizados, não creio que Humberto Rosa fosse capaz, hoje em dia, de assinar o despacho citado.
Com tudo o que aqui se expõe, como é possível que a Câmara Municipal de Faro autorize e adjudique este novo Porto de Recreio naquele local? Como é possível que ao mesmo tempo que se anda a lutar para restaurar o que se estragou se permita que se vandalize o nosso capital natural desta maneira?
Trata-se do ar que respiramos, do peixe que comemos, da beleza que contemplamos…
As pradarias marinhas existentes em locais como aquele, junto à doca de Faro, são berçários e maternidades de muitas espécies comerciais de peixe. Sabe o caro leitor em quanto foi avaliada a nossa Ria Formosa só para a pesca local? São sensivelmente quarenta milhões de euros por ano! Queremos dar cabo de tudo isto quando, ali mesmo ao lado, no Cais Comercial, existe uma alternativa totalmente sustentável?
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Se o caro leitor deseja lutar por um novo Porto de Recreio para a cidade de Faro, mas numa localização sustentável, por favor leia, assine, e dê a assinar a seguinte petição: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT119483
Se desejar contribuir para o Crowdfunding para financiamento de um advogado ambiental que impeça esta barbaridade clique neste link: https://www.gofundme.com/f/3c3r5t-proteccao-das-pradarias-marinhas-da-ria-formosa
Seria muito bom que todos nos empenhássemos em discutir este assunto. Juntos pensamos melhor!
Dia 9 de Abril às 21:00 realizar-se-á no Club Farense um Café Filosófico sobre este tema. As inscrições devem ser feitas para o seguinte email: [email protected]
*A autora escreve de acordo com a antiga ortografia
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