A nova forma de pensar o audiovisual contemporâneo é debatida na obra “A qualidade e a competência midiática na ficção seriada contemporânea no Brasil e em Portugal”, lançada na coleção “Humanitas” do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC) da Universidade do Algarve, pela Grácio Editor (Portugal).
O que é audiovisual de qualidade é uma pergunta que já se debate há quarenta anos. Se antes se via televisão e se comentava com os amigos na escola ou no trabalho, agora as redes sociais ocupam uma parte desse espaço. O modo de produção atual inicia-se nas indústrias, mas culmina no público, que não só participa, mas também recria as histórias.
Segundo Gabriela Borges, professora da Universidade do Algarve (Portugal), colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenadora do Observatório da Qualidade no Audiovisual, a discussão sobre a qualidade de um produto audiovisual estava centrada anteriormente no modo como ela era pensada por seus criadores.
“Esse fluxo, que começa a ser gerado a partir das empresas de mídia, permite agora o engajamento do público de forma direta. Entender como a experiência estética se dá nas redes sociais, como é que esse público interage, comenta e cria conteúdo é o que estamos tentando perceber”, afirma. Gabriela destaca que além da produção, a proposta é pensar também a circulação – como as empresas distribuem e divulgam o conteúdo através das redes sociais – e o consumo – como o público se apropria dessas obras.
A investigadora afirma que o audiovisual de qualidade tem potencial de desenvolvimento de competências importantes relacionadas à mídia. “Como os roteiristas e os diretores estão trabalhando elementos dessa série, que de certo modo estimulam o público a completar as lacunas, a pensar sobre assuntos que de repente ainda não tinha pensado, a produzir conteúdos a partir do que vê na tela como, por exemplo, no caso das fanfics. São perguntas que buscamos respostas com essa nova proposta”.
O que é a competência midiática?
Nesse novo cenário, em que o público consegue interagir de forma mais direta, compartilhar e criar conteúdos a partir do audiovisual, a educação para as mídias tornou-se ainda mais importante. Segundo Gabriela, o conceito abarca uma série de habilidades que são necessárias para o cidadão contemporâneo poder analisar criticamente os produtos da mídia e também se expressar de forma crítica e criativa a partir deles.
“É importante entender não apenas a criação dentro da indústria, mas como os conteúdos circulam pelas redes e permitem experiências diferenciadas por parte do público. É uma experiência não só relacionada ao visionamento – que era o que a gente tinha quando se pensava só na televisão. A produção criativa de conteúdos é o ponto-chave”, diz.
O livro atualiza os estudos em qualidade audiovisual, trazendo a perspetiva da competência midiática para além de como os espetadores consomem o conteúdo. A investigadora afirma que “de certo modo, ao desenvolver habilidades relacionadas à competência midiática, uma série ficcional também apresenta caraterísticas de qualidade que não estão relacionadas apenas à sua criação, mas também ao modo de circulação de conteúdos e ao modo de fruição que seria essa nova forma de experiência”.
Brasil e Portugal
O livro foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa integrado no Observatório da Qualidade no Audiovisual, coordenado por Gabriela. Abordando séries ficcionais dos maiores produtores em língua portuguesa, Brasil e Portugal, as análises discutem as produções brasileiras Assédio, da Globoplay, Coisa Mais Linda, da Netflix, e Todxs Nós, da HBO e a portuguesa Casa do Cais, da RTP.
Em comum, as séries debatem temas sociais contemporâneos, incluindo o feminismo, a população LGBTQIA+ e o racismo. Embora a seleção dos temas não tenha sido intencional, afirma Gabriela, o resultado demonstra que essas discussões estão atreladas aos potenciais tanto de qualidade quanto de reflexão e criação por parte do público.
Sobre Gabriela Borges
Autora dos livros “Qualidade na TV Pública portuguesa: análise dos programas do canal 2” e “Estudos de Televisão: Diálogos Brasil_Portugal”. Mestre e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo, com passagem por instituições como University of Trinity College Dublin, Universidade Autónoma de Barcelona, Universidade Presbiteriana Mackenzie e Faculdade Armando Álvares Penteado. Atualmente leciona na Universidade do Algarve (Portugal) e colabora com o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora.